São Paulo, quarta-feira, 19 de abril de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Próximo Texto | Índice

ZIMBÁBUE
Mais um fazendeiro é morto por negros, mas presidente culpa descendentes de colonos por violência
Brancos são "inimigos", diz Mugabe

Reuters
Jornalista tira foto de fazendeiro branco assassinado ontem, em Nyamandhio vu, Zimbábue


RUPERT CORNWELL
do "The Independent", no Zimbábue

O presidente Robert Mugabe declarou guerra aos fazendeiros brancos ontem, descrevendo-os como "inimigos do Zimbábue" e pondo a culpa neles pela violência dos últimos dias.
Ontem, ocupantes de uma fazenda mataram a tiros o criador de gado Martin Olds, 42, espancado até a morte. Quatro dias atrás, outro fazendeiro e dois membros da oposição foram assassinados por veteranos da guerra de independência. O Zimbábue foi colônia do Reino Unido até 1965 e conquistou sua independência definitiva em 1980.
Em discurso na TV, marcando o 20º aniversário da independência, Mugabe não apenas deixou de condenar os ataques contra fazendas de brancos, descendentes de colonos britânicos, como também endossou a situação anárquica que o país enfrenta.
"Os brancos, que nós perdoamos e permitimos que vivessem conosco com o compromisso de que recuperaríamos as nossas terras, estão agora se recusando a cooperar. Eles estão trabalhando para derrubar o governo e é isso que está enfurecendo o povo", disse o presidente.
"Nossa comunidade inteira está zangada", declarou. "É por isso que os veteranos de guerra estão ocupando terras." Ele descarregou sua raiva na ex-potência colonial, acusando o governo trabalhista do Reino Unido de renegar compromissos anteriores de financiar a redistribuição de terras pertencentes a brancos.
Em Londres, a resposta foi imediata. Peter Hain, responsável pela África do Ministério das Relações Exteriores, acusou Mugabe de não se esforçar para pôr fim aos conflitos.
Ele descartou qualquer ajuda britânica à reforma agrária até que as ocupações terminem. Segundo Hain, é a crise mais grave na história moderna do país.
Mugabe chegou a dizer, anteriormente, que declararia guerra ao Reino Unido pelas terras dos fazendeiros brancos, caso fosse necessário.
O presidente zimbabuano acusa os proprietários de terra de apoiar e financiar o oposicionista MDC (Movimento por Mudanças Democráticas).
A indignação de Hain foi respaldada pelos fazendeiros brancos. David Hasluck, diretor do Sindicato dos Agricultores Comerciais, expressou sua "profunda decepção" com o fato de Mugabe ter rejeitado ordenar a retirada dos negros que ocupam ao menos 500 fazendas.
O assassinato de Olds poderia ser "parte de uma ação planejada que as autoridades não fizeram nada para impedir", disse.
Em seus discursos, Mugabe se utilizou da tática política de dizer coisas diferentes para platéias diferentes. Falando em inglês, ele soou moderado, dizendo lamentar a morte dos dois fazendeiros e prometendo buscar uma solução para a crise.
Mas, num segundo discurso em chishona, sua língua nativa, ele foi provocador, agradecendo aos veteranos de guerra as invasões de terras.
A distribuição desigual de terra (cerca de 4.500 fazendeiros brancos possuem 30% das melhores terras agrícolas) é "a última questão colonial" a ser resolvida, segundo Mugabe.
Ao problema agrário, acrescenta-se a crise econômica: a inflação atinge índices de 60% ao ano, há racionamento de combustíveis e o desemprego chega a 50%.
Os cofres do governo têm sido minados pela participação do Zimbábue na guerra em que o presidente Laurent Kabila, do Congo, tenta se manter no poder.
Mugabe, malvisto em Harare (capital) e em outras cidades, acredita que as ocupações lhe garantirão os votos do interior nas eleições de maio ou junho (a data exata ainda será definida). A maior parte da população zimbabuana vive no campo.


Próximo Texto: "Presidente é um político oportunista'
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.