|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DIPLOMACIA
Brasileiro que dirige órgão sobre armas químicas acredita que Europa irá defendê-lo da tentativa americana de derrubá-lo
Bustani acha que resistirá à pressão dos EUA
ROGERIO SCHLEGEL
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DE PARIS
Às vésperas de uma conferência
convocada para destituí-lo, o embaixador brasileiro José Maurício
Bustani, 56, diretor-geral da Opaq
(Organização para a Proscrição
das Armas Químicas), acredita
em uma reviravolta capaz de
mantê-lo no cargo.
Bustani trava um confronto
aberto com os EUA -que, em
março, tentaram sem sucesso tirá-lo da direção da entidade- e
ontem acreditava que os países
europeus pudessem lhe dar sobrevida. "Estou sentido uma ebulição", disse, em entrevista à Folha, sobre essa possibilidade.
A virada é improvável, embora
a destituição dependa de dois terços dos países presentes à conferência, excluídas as abstenções. A
reunião começa domingo, em
Haia (Holanda), com todos os 145
países da Opaq convocados.
O próprio chanceler brasileiro,
Celso Lafer, disse nesta semana
que, para derrubar Bustani, os
EUA têm o apoio dos países europeus, da Otan (aliança militar ocidental) e de países asiáticos de peso, como o Japão. Para Lafer, "a
personalidade" do diplomata brasileiro, que deu declarações públicas contra os EUA, foi "uma dificuldade adicional" para os esforços do Itamaraty em seu favor.
Bustani disse que Lafer "mal o
conhece" para falar de sua personalidade. Leia a seguir trechos da
entrevista, feita por telefone.
Folha - O Itamaraty tem dado o
apoio que o sr. esperava? O chanceler Celso Lafer já declarou que sua
saída é irreversível.
José Maurício Bustani - Não sei
dizer o que eles têm feito em matéria de convencimento dos países envolvidos, por isso não posso
falar. Mas as declarações do chanceler são bastante eloquentes.
Posso imaginar que os diplomatas brasileiros estejam atuando de
acordo com elas.
Folha - O sr. não considera sua
saída irreversível?
Bustani - Hoje [ontem" não considero. Ontem [quarta", considerava quase irreversível, mas está
havendo uma reviravolta, especialmente na Europa. Estou sentido uma ebulição. Quando veio à
tona pela imprensa, nesta semana, a questão do meu afastamento, mudou de figura na Europa.
Trata-se de saber se os EUA vão
fazer o que quiserem em órgãos
que deveriam ser multilaterais. Os
europeus vão pensar duas vezes
antes de permitir isso. Ontem,
houve uma reunião de delegados
da União Européia em que não fecharam questão contra mim.
Folha - O sr. arrisca um placar para a conferência?
Bustani - É imprevisível, porque
isso [a demissão do diretor-geral]
não está no regimento. Os americanos vão ter de criar instrumentos pela força, porque a intenção
de me demitir não tem base jurídica. Não há acusação formal
contra mim, só papéis com umas
bobageiras do Departamento de
Estado dos EUA.
Folha - A Opaq vive uma crise financeira, como acusam os EUA?
Bustani - Bom, ninguém paga
[as cotas anuais que cada país deve à Opaq". O dinheiro deveria
entrar em janeiro, mas estamos
em abril e só 39% do total entrou.
No ano passado, os EUA, que representam 22% de nosso orçamento, só pagaram tudo em outubro. E, por enquanto, só pagaram metade do que devem por este ano. A Alemanha é a mesma
coisa. O Japão não pagou nada.
Folha - Os sr. tem repetido que as
acusações americanas são inconsistentes. A verdadeira questão é o
Iraque, com quem o sr. negociava a
entrada na Opaq?
Bustani - Não foi o Iraque. O
problema é que eu não sou uma
pessoa que aceita as coisas impostas. Durante quatro anos eu disse
não aos americanos cada vez que
eles queriam impor alguma coisa,
e tudo corria bem. Esse pessoal
novo [o governo Bush" quer que a
Opaq seja apenas um órgão burocrático que inspecione a Rússia.
Tentei fazer a coisa de forma honesta e não-discriminatória. Não
posso simplesmente aceitar ordem dos americanos.
Texto Anterior: Ataque americano mata 4 canadenses perto de Candahar Próximo Texto: Itamaraty prevê derrota do brasileiro Índice
|