São Paulo, sexta-feira, 19 de abril de 2002

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DIPLOMACIA

Brasileiro que dirige órgão sobre armas químicas acredita que Europa irá defendê-lo da tentativa americana de derrubá-lo

Bustani acha que resistirá à pressão dos EUA

ROGERIO SCHLEGEL
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DE PARIS

Às vésperas de uma conferência convocada para destituí-lo, o embaixador brasileiro José Maurício Bustani, 56, diretor-geral da Opaq (Organização para a Proscrição das Armas Químicas), acredita em uma reviravolta capaz de mantê-lo no cargo.
Bustani trava um confronto aberto com os EUA -que, em março, tentaram sem sucesso tirá-lo da direção da entidade- e ontem acreditava que os países europeus pudessem lhe dar sobrevida. "Estou sentido uma ebulição", disse, em entrevista à Folha, sobre essa possibilidade.
A virada é improvável, embora a destituição dependa de dois terços dos países presentes à conferência, excluídas as abstenções. A reunião começa domingo, em Haia (Holanda), com todos os 145 países da Opaq convocados.
O próprio chanceler brasileiro, Celso Lafer, disse nesta semana que, para derrubar Bustani, os EUA têm o apoio dos países europeus, da Otan (aliança militar ocidental) e de países asiáticos de peso, como o Japão. Para Lafer, "a personalidade" do diplomata brasileiro, que deu declarações públicas contra os EUA, foi "uma dificuldade adicional" para os esforços do Itamaraty em seu favor.
Bustani disse que Lafer "mal o conhece" para falar de sua personalidade. Leia a seguir trechos da entrevista, feita por telefone.

Folha - O Itamaraty tem dado o apoio que o sr. esperava? O chanceler Celso Lafer já declarou que sua saída é irreversível.
José Maurício Bustani -
Não sei dizer o que eles têm feito em matéria de convencimento dos países envolvidos, por isso não posso falar. Mas as declarações do chanceler são bastante eloquentes. Posso imaginar que os diplomatas brasileiros estejam atuando de acordo com elas.

Folha - O sr. não considera sua saída irreversível?
Bustani -
Hoje [ontem" não considero. Ontem [quarta", considerava quase irreversível, mas está havendo uma reviravolta, especialmente na Europa. Estou sentido uma ebulição. Quando veio à tona pela imprensa, nesta semana, a questão do meu afastamento, mudou de figura na Europa.
Trata-se de saber se os EUA vão fazer o que quiserem em órgãos que deveriam ser multilaterais. Os europeus vão pensar duas vezes antes de permitir isso. Ontem, houve uma reunião de delegados da União Européia em que não fecharam questão contra mim.

Folha - O sr. arrisca um placar para a conferência?
Bustani -
É imprevisível, porque isso [a demissão do diretor-geral] não está no regimento. Os americanos vão ter de criar instrumentos pela força, porque a intenção de me demitir não tem base jurídica. Não há acusação formal contra mim, só papéis com umas bobageiras do Departamento de Estado dos EUA.

Folha - A Opaq vive uma crise financeira, como acusam os EUA?
Bustani -
Bom, ninguém paga [as cotas anuais que cada país deve à Opaq". O dinheiro deveria entrar em janeiro, mas estamos em abril e só 39% do total entrou. No ano passado, os EUA, que representam 22% de nosso orçamento, só pagaram tudo em outubro. E, por enquanto, só pagaram metade do que devem por este ano. A Alemanha é a mesma coisa. O Japão não pagou nada.

Folha - Os sr. tem repetido que as acusações americanas são inconsistentes. A verdadeira questão é o Iraque, com quem o sr. negociava a entrada na Opaq?
Bustani -
Não foi o Iraque. O problema é que eu não sou uma pessoa que aceita as coisas impostas. Durante quatro anos eu disse não aos americanos cada vez que eles queriam impor alguma coisa, e tudo corria bem. Esse pessoal novo [o governo Bush" quer que a Opaq seja apenas um órgão burocrático que inspecione a Rússia. Tentei fazer a coisa de forma honesta e não-discriminatória. Não posso simplesmente aceitar ordem dos americanos.



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