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Herança econômica será pesada
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A BUENOS AIRES
Néstor Kirchner assume a Presidência da Argentina, no próximo
dia 25 de maio, sob o mesmo tipo
de dupla pressão que enfrentou o
brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva: atender, de um lado, as ansiedades do mercado para que não
haja modificações substanciais na
política econômica e, de outro, a
urgência da sociedade em ver enfrentadas questões essenciais como trabalho e pobreza.
A grande diferença é que a situação argentina, paradoxalmente, pode ser vista como mais complicada ou mais facilitada do que a
que Lula encontrou, conforme o
ponto de vista.
No Brasil, os mercados temiam
que o PT não pagasse a dívida,
rompesse contratos, permitisse a
disparada da inflação. Na Argentina, tudo isso, de algum modo, já
aconteceu.
Ou, como prefere Julio Nudler,
analista econômico do jornal esquerdista "Página/12":
"O trabalho sujo foi feito por
[Fernando] De la Rúa (corralito),
Adolfo Rodríguez Saá (moratória), e Eduardo Duhalde (desvalorização, pesificação, ajuste fiscal).
A economia não está hoje precipitando-se no abismo, mas saindo
lentamente dele. Arrasta problemas terríveis (dívida, desemprego, miséria, descapitalização dos
bancos, desinvestimento, tarifas
públicas) mas nenhum deles detona de um dia para o outro. São
mais profundos que explosivos".
Operação complicada
Visto por outro ângulo, no entanto, pode ser pior: Kirchner, em
vez de recorrer à moratória, como
foi obrigado a fazer Adolfo Rodríguez Saá, terá que suspendê-la,
uma operação sempre complicada, mas vital para restabelecer o
crédito para a Argentina.
Terá também que restabelecer
segurança jurídica para que os
bancos voltem a fazer a sua função, que é a de intermediação financeira (emprestar dinheiro).
Passou o tempo em que se temia
o colapso do sistema financeiro,
no pressuposto de que, levantado
o "corralito", todos os depositantes correriam para sacar dinheiro
dos bancos. Não sacaram, até
porque deixá-lo investido a juros
suculentos está sendo melhor, por
exemplo, do que apostar no dólar,
em queda contínua.
Hoje, o problema do sistema financeiro são as regras do jogo.
Como emprestar se não há segurança de que o dinheiro vai voltar
e, se não voltar, será possível recuperá-lo tomando posse das garantias oferecidas pelo devedor?
Também ao contrário de Lula,
que recebeu um país com baixo
crescimento e perspectiva imediata ruim, Kirchner encontra
uma Argentina em que o setor
produtivo exibe um otimismo talvez exagerado.
Documento recente da UIA
(União Industrial Argentina) diz
que a recuperação dos últimos
quatro trimestres é tão forte que,
"até o fim do ano se alcançariam
os níveis de produção de 1998,
quando a economia começou a
cair na recessão".
A partir daí, se entraria em
"uma nova etapa de crescimento".
Só assim mesmo o novo governo poderá ter, eventualmente,
condições para enfrentar o outro
tipo de pressão, o da rua.
A situação social é a mais dramática da história (ver quadro),
quase tão dramática quanto a do
Brasil, mas com uma diferença
anímica fundamental: é um fenômeno de recente aparição em um
país que chegou a estar entre os
sete mais ricos do mundo em
meados do século passado.
É natural, portanto, que a oposição de esquerda ao governo
Kirchner cobre do virtual novo
presidente que atenda à rua mais
que aos mercados.
"A Kirchner restará a legitimidade da gestão, restará pôr no
centro de seu governo a agenda
das reivindicações sociais", diz
Rafael Romá, que foi o chefe de
campanha presidencial da deputada Elisa "Lilita" Carrió, de centro-esquerda.
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