São Paulo, quinta, 19 de junho de 1997.



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ESTADO LAICO
Necmettin Erbakan, de orientação religiosa, renuncia após mais de um ano de crise com líderes militares
Pressão antiislâmica derruba premiê turco

das agências internacionais

O primeiro-ministro da Turquia, Necmettin Erbakan, apresentou ontem sua demissão ao presidente do país, Süleyman Demirel.
A renúncia do chefe de governo, o primeiro de perfil islâmico desde a criação do moderno Estado turco, na década de 20, representa o fim de uma crise gerada pela crescente oposição dos líderes laicos do país.
"Apresentei minha renúncia. Nosso país agora estará livre de tensões desnecessárias", anunciou Erbakan, líder do islâmico Partido do Bem-Estar. O premiê deve permanecer no cargo até a formação, nos próximos dias, de um novo gabinete.
Segundo seus planos, o cargo de primeiro-ministro deve ser assumido por Tansu Çiller (pronuncia-se "tchíler"), a líder do Partido do Caminho Verdadeiro (laico), parceiro de Erbakan na coalizão que sustentava o governo.
A coalizão, que se tornou minoritária ao longo dos meses com os sucessivos abandonos de parlamentares, deve voltar a dominar o Parlamento do país.
O pequeno Partido da Grande União (8 deputados -de um total de 550), de extrema direita, deve aderir a Erbakan e Çiller.
Erbakan aposta ainda na antecipação das eleições. O premiê demissionário afirmou dias atrás ser o favorito em uma disputa nas urnas -seu partido foi o mais votado das últimas eleições.
As previsões de Erbakan, porém, podem se ver frustradas pelos setores laicos que o derrubaram, e Çiller, ex-primeira-ministra, pode não assumir, mesmo que sustentada por uma coalizão majoritária.
A líder do Partido Caminho Verdadeiro foi a primeira mulher a assumir o cargo de chefe de governo na Turquia, de junho de 1993 a dezembro de 1995.
Laico x religioso
As crises envolvendo o premiê islâmico, no poder desde maio de 1996, refletem os embates sobre o destino do Estado turco, dividido entre a influência ocidental, alimentada principalmente pelo desejo de união com a Europa, e o islamismo orientalizante.
A poderosa classe militar turca, sempre pronta a resolver à sua maneira as crises surgidas no país, é o principal defensor de um Estado turco laico, e, como tal, o principal adversário do governo do premiê Erbakan.
Nas últimas quatro décadas, os militares protagonizaram três golpes de Estado.
"A Turquia inicia um período de incertezas, um período em que a democracia está ameaçada", disse o cientista político Bilal Cetin à "Reuter".
Os chefes militares chegaram a dizer que estavam dispostos a "usar suas armas" para deter qualquer ameaça ao Estado laico.
Além das Forças Armadas, a imprensa e a classe empresarial turcas também alimentaram as pressões antiislâmica.
Qualquer tentativa de Erbakan de introduzir uma reforma de perfil religioso, aproximando a Turquia de seus vizinhos muçulmanos, foi confrontada, por exemplo, com alusões à violência sectária ao estilo argelino (onde mais de 60 mil pessoas morreram nos últimos cinco anos em conflito entre o Estado laico e ativistas islâmicos).




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