UOL


São Paulo, quinta-feira, 19 de junho de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

É cedo para concluir algo sobre o Iraque

Força Aérea dos EUA/Michael Best/Reuters
Estragos causados por uma bomba num palácio de Saddam


THOMAS L. FRIEDMAN
DO "NEW YORK TIMES"

Outro dia ouvi uma historinha simpática vinda do Iraque. Um empresário irlandês enviou seu jatinho particular a Bagdá para buscar oito atletas iraquianos deficientes mentais que queriam participar da Olimpíada Especial, que começa nesta semana na Irlanda. O que torna a história ainda mais comovente é que o filho pervertido de Saddam Hussein, Uday, dirigia o Comitê Olímpico iraquiano e era conhecido por torturar atletas que não tivessem bom desempenho. Será possível construir um novo Iraque, onde se possa ser um atleta olímpico especial em segurança, onde seja seguro ser vulnerável?
Ainda é cedo para dizer. Na realidade, ainda é cedo para dizer qualquer coisa conclusiva a respeito do Iraque.
Pelo lado positivo, há o fato de que a vida urbana está voltando à normalidade, os restaurantes e as lojas estão reabrindo, Bagdá já tem eletricidade durante cerca de 18 horas por dia, e as filas para abastecer os carros de gasolina, que se arrastavam por 1,5 km na última vez em que estive no Iraque, há quatro semanas, praticamente desapareceram. A segurança melhorou, mas ainda deixa muito a desejar. As escolas vêm funcionando. Os jornais estão em ebulição, e partidos políticos estão se formando.
As notícias regionais também apresentam saldo bruto positivo. O levante estudantil no Irã, o movimento trôpego em direção à paz israelo-palestina, a inquietação interna na Arábia Saudita, as eleições na Jordânia, todas essas são tendências intensificadas pela queda do regime de Saddam. A "rua" (ou a imprensa) árabe, em lugar de se erguer contra os EUA, anda repleta de introspeção e autocrítica em relação ao tratamento que deu a Saddam Hussein.
Do lado negativo da balança há duas questões muito grandes a resolver. Contrariamente ao discurso despejado pela equipe de Bush, ainda não pusemos fim à guerra e ainda não estabelecemos uma autoridade política interina iraquiana que, com o tempo, possa trabalhar em conjunto para governar o país -no lugar da mão de ferro de Saddam ou da nossa.
O fim da guerra foi precoce. Como não houve batalha por Bagdá, Fallujah, Tikrit e os outros redutos sunitas que formavam a base do poder de Saddam, muitos elementos do regime e duas divisões da Guarda Republicana simplesmente desapareceram, em lugar de seus integrantes serem mortos ou capturados. Além disso, ultimamente há sinais preocupantes de que os sunitas iraquianos, que sempre dominaram o país e rejeitam a idéia de ver xiitas no governo, estão recrutando combatentes árabes sunitas em toda a região, especialmente entre os wahabitas da Arábia Saudita, para ajudarem na batalha contra os EUA.
Os setores sunitas leais a Saddam se reconstituíram, formando o chamado "Partido do Retorno", e a mensagem que andam espalhando pelo país é que Saddam vai voltar -e, quando o fizer, vai arrancar a língua de todos aqueles que apoiaram os EUA. Essa ameaça vem congelando muitos iraquianos, razão pela qual é preciso concluir a guerra e que Saddam & Filhos precisam ser capturados ou mortos. Neste momento, para nós, é muito mais urgente encontrar Saddam do que seus artefatos nucleares.
E isso nos conduz ao desafio que confronta Paul Bremer, a mais alta autoridade americana no Iraque, que começou bem seu trabalho. Conseguirão os EUA, trabalhando com os iraquianos, erguer um centro político moderado e legítimo que reúna sunitas, xiitas, curdos e outras facções iraquianas em algum tipo de coalizão governamental auto-sustentável? O plano é que, até julho, Bremer tenha formado um "conselho político" de iraquianos que atue como gabinete extra-oficial, indique ministros interinos iraquianos e supervisione a redação de uma nova Constituição, uma reforma do ensino, uma reforma legal e privatizações. Isso precisa acontecer logo. A população do Iraque precisa sentir que um governo iraquiano está fincando pé. Isso facilitará muito a estadia dos EUA no país.
Se os iraquianos começarem a trabalhar juntos numa coalizão centrista, e a segurança for consolidada por uma força policial iraquiana reconstruída, então se justificará um pouco de otimismo. Mas, se nada disso acontecer, comece a se preocupar.
Entretanto, se eu fosse o presidente Bush e minha vida política dependesse do Iraque dar certo, já estaria me preocupando. Eu conservaria no país o dobro do número de soldados que estão lá e injetaria nele tanta comida e tantos investimentos que as pessoas pensariam que tiraram a sorte grande. Por que o presidente não está fazendo isso é algo que não entendo e que pode acabar provocando sua derrota.

Tradução de Clara Allain


Texto Anterior: EUA matam 2 iraquianos e perdem soldado
Próximo Texto: No Parlamento, Blair se defende sobre armas
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.