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Ex-militares têm situação indefinida
DO ENVIADO ESPECIAL A PORTO PRÍNCIPE
A desmobilização de cerca de
350 ex-militares, uma das iniciativas mais bem sucedidas até agora
da missão de paz das Nações Unidas no Haiti (Minustah) para a
volta do país à normalidade, está
emperrada há três meses e corre o
risco de ir por água abaixo devido
à indefinição do governo interino
sobre o futuro dos que decidiram
baixar as armas.
Realizado com o aval da ONU, o
acordo da desmobilização é considerado um dos principais motivos do baixo nível de violência no
interior do país e prevê, por parte
do governo interino, a reinserção
dos ex-militares na vida civil, sobretudo o aproveitamento na corrupta e violenta polícia haitiana e
o pagamento de pensões.
Até agora, no entanto, apenas 17
dos ex-militares desmobilizados
em março foram aproveitados
pela polícia. O restante permanece confinado nas instalações da
Escola de Magistratura, em Porto
Príncipe, sob proteção permanente de soldados brasileiros
-outros milhares continuam de
fora do programa. Na última
quarta-feira, a reportagem da Folha visitou o local e conversou
com alguns dos ex-militares vindos de Cap Haitien, a segunda
maior cidade do país, com 500 mil
habitantes.
"Nós trabalhamos com um conceito de três letras, o DDR: desarmamento, desmobilização e reinserção", afirma o comandante
militar da Minustah, o general
brasileiro Augusto Heleno Pereira. "E a terceira letra tem sido o
grande problema."
A questão sobre o que fazer com
o grupo é um dos principais nós
políticos do país desde 1994,
quando o então presidente Jean-Bertrand Aristide dissolveu as
Forças Armadas.
Não são poucos os obstáculos
para a reinserção dos ex-militares. Segundo o general Heleno,
vários deles nunca foram das Forças Armadas, mas acabaram recrutados por ex-militares, de uma
forma mais parecida com as inúmeras gangues criminosas do
país do que com um Exército regular. O mais novo do grupo de
Cap Haitien, por exemplo, tinha
apenas oito anos quando as Forças Armadas foram extintas.
Além disso, vários ex-militares
estão envolvidos em crimes como
assassinatos e violência política
-eles tiveram um papel importante no sangrento levante que
provocou a derrubada de Aristide, em fevereiro de 2004. Há ainda
problemas de saúde e físicos, e
muitos têm idade avançada.
Mas o pior problema é o relacionamento com os policiais. Nos últimos meses, houve inúmeros enfrentamentos, com mortos de
ambos os lados. Recentemente, o
principal líder dos ex-militares,
Remissainthe Ravix, que comandou diversos ataques a delegacias
de polícia num levante contra o
governo, foi morto num desses
incidentes, em Porto Príncipe.
A tensão entre policiais e ex-militares é uma das principais preocupações dos militares brasileiros
-vários dos que estão sob proteção na capital estariam ameaçados de morte. Além disso, há o
confronto histórico com os grupos armados pró-Aristide.
"Só não saímos daqui porque
não temos nenhum dinheiro e
porque podemos acabar mortos
pelos policiais e pelo chimères
[grupos armados pró-Aristide]",
explica o ex-soldado Pierre Etchot, 40.
Durante esses três meses, nenhum dos ex-militares trabalhou.
Eles passam a maior parte do dia
parados, ouvindo rádio ou assistindo à TV. Cerca de 25 ex-militares já cansaram de esperar e abandonaram o programa de desmobilização. "O risco é que eles percam a paciência e comecem a sair
e pegar em armas novamente",
afirma o general Heleno.
Divididos por cidade, cada grupo ex-militar ocupa um dos prédios da escola. O maior contingente é de Cap Haitien, com cerca
de 250 pessoas.
Cercado por seus companheiros, o ex-soldado Pierre Raymond
disse que a indefinição do governo faz com que os demais ex-militares -cerca de 7.000, muitos deles armados e alguns ocupando
postos policiais- resistam em se
desmobilizar.
"Como o governo havia prometido resolver a situação dos ex-militares e nada fez, a falta de sinceridade impede que os outros ex-militares se rendam", afirma Raymond, que diz estar em Porto
Príncipe desde o início de março.
Desde então, não se encontra com
a mulher e os nove filhos, com
idades entre 3 e 17 anos. A reportagem deixou diversos recados no
gabinete do primeiro-ministro,
Gérard Latortue, e na Casa Civil,
mas não obteve nenhuma resposta.
(FM)
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