São Paulo, Segunda-feira, 19 de Julho de 1999
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Dinastia nasce de sacrifícios em praça pública

CONTARDO CALLIGARIS
colunista da Folha

Afinal, estamos acostumados a pensar que a aristocracia é uma coisa morta - substituída quer seja pelo poder do dinheiro, quer seja pela fama. Em outras palavras, não há mais nobres: só ricos e famosos, empreendedores ou stars.
Aliás, às vezes, as duas coisas se misturam. Mas os Kennedys são outra coisa. Os Kennedys são o único exemplo de aristocracia em regime democrático e republicano. Ou seja, o único exemplo conhecido de aristocracia moderna.
Hoje, o povo americano (e boa parte do mundo) não estaria grudado na frente da TV se estivesse esperando notícias do avião de Bill Gates ou de Tom Cruise. Não do mesmo jeito.
Em outras palavras, se o acidente e a morte (nesta altura, bem provável) de JFK Jr. se transformam em um drama nacional e mundial, não é porque ele já foi um sex-símbolo ou o celibatário mais cobiçado do mundo. É por ele ser um Kennedy.
Por que e como os Kennedys se transformaram em aristocratas? Foi a extraordinária coincidência de um desejo de poder, naturalmente, e de dois sacrifícios sobre o altar da coisa pública.
John e Robert Kennedy, assassinados, transformaram uma simples família poderosa em uma dinastia.
Os aristocratas modernos podem (e até devem) acumular riquezas de maneiras ingloriosas, mas a aristocracia pede um sacrifício que naturalmente não é mais para o rei soberano, mas para a coisa pública.
No caso dos Kennedys, o sacrifício foi perfeito.
John morreu no exercício do maior ministério público dos EUA. Robert fora ministro da Justiça e estava perto de chegar ele mesmo à Presidência.
Morreram praticamente "ao vivo": na frente do povo inteiro, para sempre mártires em praça pública.
Eles acumularam um crédito de nobreza que, de alguma forma, aumenta com todas as diferentes misérias pelas quais os Kennedys passaram desde então. Doenças e mortes aparecem como o preço infindável da nobreza.
É uma idéia antiga, segundo a qual dá para viver de duas maneiras diferentes.
Preferindo viver e, portanto, renunciando ao que pode constituir um risco.
Ou então, se expondo ao risco de morrer, como se a vida só valesse a pena se for vivida sem restrições, sem rede de proteção.
Os Kennedys colocaram seu desejo acima da vida e seguiram alimentando sua nobreza em sua disponibilidade para morrer.
Logo nestes dias é também o aniversário de 30 anos do acontecimento de Chappaquiddick, quando o senador Edward Kennedy, o mais novo dos irmãos, teve um acidente de carro onde morreu sua secretária.
Desse evento, ele nunca conseguiu ser inteiramente perdoado. Por quê? Mas é simples, porque deveria ter morrido. Sobreviver não é coisa para nobre.
Por isso, de John John é possível dizer que foi encontrar seu destino.
Seu destino de Kennedy.


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