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Dinastia nasce de sacrifícios em praça pública
CONTARDO CALLIGARIS
colunista da Folha
Afinal, estamos acostumados a
pensar que a aristocracia é uma
coisa morta - substituída quer seja
pelo poder do dinheiro, quer seja
pela fama. Em outras palavras,
não há mais nobres: só ricos e famosos, empreendedores ou stars.
Aliás, às vezes, as duas coisas se
misturam. Mas os Kennedys são
outra coisa. Os Kennedys são o
único exemplo de aristocracia em
regime democrático e republicano. Ou seja, o único exemplo conhecido de aristocracia moderna.
Hoje, o povo americano (e boa
parte do mundo) não estaria grudado na frente da TV se estivesse
esperando notícias do avião de
Bill Gates ou de Tom Cruise. Não
do mesmo jeito.
Em outras palavras, se o acidente e a morte (nesta altura, bem
provável) de JFK Jr. se transformam em um drama nacional e
mundial, não é porque ele já foi
um sex-símbolo ou o celibatário
mais cobiçado do mundo. É por
ele ser um Kennedy.
Por que e como os Kennedys se
transformaram em aristocratas?
Foi a extraordinária coincidência
de um desejo de poder, naturalmente, e de dois sacrifícios sobre
o altar da coisa pública.
John e Robert Kennedy, assassinados, transformaram uma simples família poderosa em uma dinastia.
Os aristocratas modernos podem (e até devem) acumular riquezas de maneiras ingloriosas,
mas a aristocracia pede um sacrifício que naturalmente não é mais
para o rei soberano, mas para a
coisa pública.
No caso dos Kennedys, o sacrifício foi perfeito.
John morreu no exercício do
maior ministério público dos
EUA. Robert fora ministro da Justiça e estava perto de chegar ele
mesmo à Presidência.
Morreram praticamente "ao vivo": na frente do povo inteiro, para sempre mártires em praça pública.
Eles acumularam um crédito de
nobreza que, de alguma forma,
aumenta com todas as diferentes
misérias pelas quais os Kennedys
passaram desde então. Doenças e
mortes aparecem como o preço
infindável da nobreza.
É uma idéia antiga, segundo a
qual dá para viver de duas maneiras diferentes.
Preferindo viver e, portanto, renunciando ao que pode constituir
um risco.
Ou então, se expondo ao risco
de morrer, como se a vida só valesse a pena se for vivida sem restrições, sem rede de proteção.
Os Kennedys colocaram seu desejo acima da vida e seguiram alimentando sua nobreza em sua
disponibilidade para morrer.
Logo nestes dias é também o
aniversário de 30 anos do acontecimento de Chappaquiddick,
quando o senador Edward Kennedy, o mais novo dos irmãos, teve um acidente de carro onde
morreu sua secretária.
Desse evento, ele nunca conseguiu ser inteiramente perdoado.
Por quê? Mas é simples, porque
deveria ter morrido. Sobreviver
não é coisa para nobre.
Por isso, de John John é possível
dizer que foi encontrar seu destino.
Seu destino de Kennedy.
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