São Paulo, quinta-feira, 19 de agosto de 2004

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MÍDIA

Decisões da Justiça e atos do governo restringem prerrogativas da imprensa, como direito de manter o sigilo da fonte

Cresce pressão sobre jornalistas nos EUA

JACQUES STEINBERG
DO "THE NEW YORK TIMES"

Uma decisão judicial tomada na semana passada ordenando a prisão de um jornalista da revista "Time" por desacato e uma intimação feita mais tarde a um repórter do "New York Times" no mesmo caso constituem os exemplos mais recentes de algo que especialistas jurídicos descrevem como uma tendência ameaçadora para a categoria dos jornalistas.
Trata-se do enfraquecimento das proteções básicas ao trabalho de coleta e divulgação de notícias, algo que, de modo geral, era visto como claro e decidido desde a época do escândalo "Watergate".
A citação por desacato e a intimação são parte de investigação federal para averiguar se a administração Bush revelou ilegalmente a identidade de uma agente secreta da CIA a Robert Novak, cuja coluna é publicada em vários jornais, e outros jornalistas.
Essas ações se somam a outra em que um juiz federal ordenou que jornalistas identificassem as fontes que lhes deram informações sobre o cientista Wen Ho Lee -no final de 1999, Lee foi preso sob acusação de espionagem nuclear e, nove meses mais tarde, quando a acusação se mostrou uma farsa, foi posto em liberdade.
Elas ameaçam solapar algo que os jornalistas vêem há anos como seu direito constitucional de não identificar suas fontes.
Outras decisões judiciais dos últimos meses enfraquecem o princípio legal que possibilita a jornalistas divulgar praticamente tudo o que sabem sem serem sujeitos a restrição prévia. É o caso da que restringiu parcialmente a cobertura dos julgamentos de réus tão diversos quanto o jogador de basquete Kobe Bryant, acusado de estupro, e o ex-banqueiro de investimentos Frank Quattrone.
Enquanto isso, autoridades do Departamento de Justiça e outras agências federais estão tornando mais rígidas as normas que ditam os materiais aos quais jornalistas e o público em geral podem ter acesso, de acordo com a Lei sobre a Liberdade de Informação. As autoridades alegam que a ênfase dada pela lei ao acesso rápido e muitas vezes irrestrito a informações pode ajudar terroristas.
"Alguns desses casos representam restrição direta à capacidade dos jornalistas de obter informações para subsidiar reportagens. Outros poderiam desencorajar fontes que já ajudaram a fornecer muitos furos de primeira importância", disse Paul K. McMasters, ombudsman do Centro Primeira Emenda, uma organização não partidária e sem fins lucrativos.
Existem, é claro, os que argumentam que pelo menos algumas das tentativas de refrear a imprensa representam uma correção que já era devida havia muito tempo.
Entre os princípios que estão em discussão na investigação sobre o vazamento da identidade da agente secreta da CIA, Valerie Plame, está o do privilégio do jornalista de não precisar depor sobre informações confidenciais ou não publicadas, a não ser que elas sejam cruciais para um caso específico e que não possam ser obtidas de outra maneira.

Direito à privacidade
Ao ordenar a prisão do jornalista da revista ""Time" Matthew Cooper, por ter se negado a identificar quem revelou o nome de Plame, o juiz Thomas Hogan, da Corte Distrital em Washington, rejeitou o argumento da revista de que a Primeira Emenda da Constituição dá ao jornalista o direito de negar-se a responder sobre fontes confidenciais. (Cooper permanece em liberdade enquanto a "Time" recorre da decisão.)
A proibição de tentativas de impedir um órgão de imprensa de divulgar o que sabe -a não ser que isso coloque em risco a segurança nacional- foi exposta no caso dos documentos do Pentágono, de 1971, no qual o "Times" ganhou o direito de divulgar uma história secreta da Guerra do Vietnã redigida pelo governo.
Nos últimos meses, porém, essa proibição vem sofrendo reveses. Alguns juízes vêm contrapondo ao direito do público de tomar conhecimento dos fatos preocupações como o direito do réu à privacidade e o ao julgamento justo.
Especialistas acreditam que o próximo embate será acerca da Lei sobre a Liberdade de Informação, de 1966, que facilita o acesso a agências federais.
Um mês após o 11 de Setembro de 2001, o secretário da Justiça, John Ashcroft, rescindiu um memorando de sua antecessora no cargo, Janet Reno, no qual ela argumentava em favor da "presunção da divulgação".
Ashcroft pediu que as agências federais considerem "os interesses institucionais, comerciais e de privacidade que podem ser comprometidos pela divulgação".
Mais documentos oficiais estão sendo ocultados do público, segundo estudo da Administração Nacional de Arquivos e Registros, divulgado na primavera. Segundo o relatório, em 2003 o governo classificou como sigilosos, por conterem segredos que ameaçam a segurança nacional, 14 milhões de documentos, contra 11 milhões em 2002 e 8 milhões em 2001.


Tradução de Clara Allain


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