São Paulo, Domingo, 19 de Dezembro de 1999


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FIM DE UMA ERA
A partir de amanhã, território volta a pertencer à China após 442 anos de controle português
Portugal se despede hoje de Macau

RODRIGO UCHÔA
especial para a Folha

Quando fundaram Macau, em 1557, os portugueses faziam comércio à base de bala de canhão. Por ajudar a derrotar o pirata Chang Tse-lao, o Império Celestial do Centro, ou China, doou a área para a criação de um entreposto comercial.
Agora, Portugal entrega de volta essa última lembrança de um império e volta-se para o futuro. A China enterra suas rusgas territoriais com o Ocidente, faz as pazes com um passado de humilhações e segue o seu caminho.
Macau é um território de pouco mais de 20 km2 (uma península e duas ilhas) que volta hoje à comunista China depois de 442 anos de influência portuguesa. Seus cerca de 400 mil habitantes (95% chineses) conservam o direito de, pelos próximos 50 anos, continuar capitalistas, de viajar para fora do país, de eleger uma assembléia.
O presidente chinês, Jiang Zemin, gosta de repetir que a transição de volta para a China é "pacífica e ordeira, como foi a de Hong Kong", devolvida em 1997, e já põe os olhos em Taiwan, a ilha que se recusa a aderir à fórmula "um país, dois sistemas".
Os portugueses experimentam um crescimento econômico que os une cada vez mais aos europeus, o restolho de seu império é um anacronismo. No século 16, junto a navios de outras possessões como Goa (Índia) e Málaca (Indonésia), buscavam os temperos e tecidos procurados pelos europeus da época. A economia florescia como nunca.
A vontade dos jesuítas portugueses em catequizar os asiáticos se faz notar até hoje na região. Macau tem belas igrejas católicas e ruínas mostram seu antigo esplendor. São Francisco Xavier, o primeiro missionário no Extremo Oriente, morreu na costa de Macau em 1552, mas não teve sucesso em levar a cruz à China.
Até o nome em chinês, A-mangao, ou "Baía da Deusa A-ma", a protetora dos navegantes, evoca a falta de vontade dos chineses em abraçar o cristianismo. Os jesuítas não obtinham permissão de entrar na hinterlândia chinesa.
Já no Japão, os jesuítas contavam uns 150 mil convertidos, em 1582. Resultados melhores, só os espanhóis nas Filipinas, com um catolicismo que existe até hoje.
Macau perde seu status de principal entreposto ocidental em meados do século 19, quando uma nova grande força finca os próprios pés na China. Os britânicos abusam da política do comércio à base das canhoneiras e levam Pequim a assinar os "tratados injustos", cedendo a nova pérola do Oriente, Hong Kong, e dando vantagens comerciais.
Portugal se aproveita do enfraquecimento chinês, tem reconhecido seus "direitos de ocupação perpétua" em Macau, mas permanece à sombra de Hong Kong.
O sentimento de humilhação vindo dessa época perseguia os chineses até os dias de hoje.

Fim de uma era
Já em 1975, o império se dissolvia. A Revolução dos Cravos, de 1974, com a redemocratização e a derrubada da ditadura que se agarrava com força às possessões, leva a uma descolonização sem antecedentes. O nacionalismo se alastra nas colônias africanas, que logo se vêem livres.
Timor Leste, no Índico, é deixado à sua própria sorte, a qual os indonésios transformaram em azar, com os 25 anos de uma ocupação e um conflito que deixaram mais de 200 mil mortos. A guarnição lusa deixa Macau, mas Lisboa conserva a administração.
Então, no primeiro minuto da segunda-feira, 20 de dezembro de 1999, ainda meio do domingo no Brasil, Portugal tira definitivamente seu pé da Ásia.


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