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FIM DE UMA ERA
A partir de amanhã, território volta a pertencer à China após 442 anos de controle português
Portugal se despede hoje de Macau
RODRIGO UCHÔA
especial para a Folha
Quando fundaram Macau, em
1557, os portugueses faziam comércio à base de bala de canhão.
Por ajudar a derrotar o pirata
Chang Tse-lao, o Império Celestial do Centro, ou China, doou a
área para a criação de um entreposto comercial.
Agora, Portugal entrega de volta
essa última lembrança de um império e volta-se para o futuro. A
China enterra suas rusgas territoriais com o Ocidente, faz as pazes
com um passado de humilhações
e segue o seu caminho.
Macau é um território de pouco
mais de 20 km2 (uma península e
duas ilhas) que volta hoje à comunista China depois de 442 anos de
influência portuguesa. Seus cerca
de 400 mil habitantes (95% chineses) conservam o direito de, pelos
próximos 50 anos, continuar capitalistas, de viajar para fora do
país, de eleger uma assembléia.
O presidente chinês, Jiang Zemin, gosta de repetir que a transição de volta para a China é "pacífica e ordeira, como foi a de Hong
Kong", devolvida em 1997, e já
põe os olhos em Taiwan, a ilha
que se recusa a aderir à fórmula
"um país, dois sistemas".
Os portugueses experimentam
um crescimento econômico que
os une cada vez mais aos europeus, o restolho de seu império é
um anacronismo. No século 16,
junto a navios de outras possessões como Goa (Índia) e Málaca
(Indonésia), buscavam os temperos e tecidos procurados pelos europeus da época. A economia florescia como nunca.
A vontade dos jesuítas portugueses em catequizar os asiáticos
se faz notar até hoje na região.
Macau tem belas igrejas católicas
e ruínas mostram seu antigo esplendor. São Francisco Xavier, o
primeiro missionário no Extremo
Oriente, morreu na costa de Macau em 1552, mas não teve sucesso em levar a cruz à China.
Até o nome em chinês, A-mangao, ou "Baía da Deusa A-ma", a
protetora dos navegantes, evoca
a falta de vontade dos chineses
em abraçar o cristianismo. Os jesuítas não obtinham permissão
de entrar na hinterlândia chinesa.
Já no Japão, os jesuítas contavam uns 150 mil convertidos, em
1582. Resultados melhores, só os
espanhóis nas Filipinas, com um
catolicismo que existe até hoje.
Macau perde seu status de principal entreposto ocidental em
meados do século 19, quando
uma nova grande força finca os
próprios pés na China. Os britânicos abusam da política do comércio à base das canhoneiras e
levam Pequim a assinar os "tratados injustos", cedendo a nova pérola do Oriente, Hong Kong, e
dando vantagens comerciais.
Portugal se aproveita do enfraquecimento chinês, tem reconhecido seus "direitos de ocupação
perpétua" em Macau, mas permanece à sombra de Hong Kong.
O sentimento de humilhação
vindo dessa época perseguia os
chineses até os dias de hoje.
Fim de uma era
Já em 1975, o império se dissolvia. A Revolução dos Cravos, de
1974, com a redemocratização e a
derrubada da ditadura que se
agarrava com força às possessões, leva a uma descolonização
sem antecedentes. O nacionalismo se alastra nas colônias africanas, que logo se vêem livres.
Timor Leste, no Índico, é deixado à sua própria sorte, a qual os
indonésios transformaram em
azar, com os 25 anos de uma ocupação e um conflito que deixaram mais de 200 mil mortos. A
guarnição lusa deixa Macau, mas
Lisboa conserva a administração.
Então, no primeiro minuto da
segunda-feira, 20 de dezembro
de 1999, ainda meio do domingo
no Brasil, Portugal tira definitivamente seu pé da Ásia.
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