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São Paulo, sexta-feira, 19 de dezembro de 2003

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ANÁLISE

Receita para mais violência e anarquia

SÉRGIO MALBERGIER
EDITOR DE MUNDO

A ameaça de Ariel Sharon de retirar as tropas israelenses de forma unilateral de uma fração dos territórios palestinos serve a vários propósitos do premiê: pressionar os palestinos a combater o terrorismo e voltar a negociar com menos exigências, satisfazer a maioria israelense ansiosa por avanços no processo de paz e desarmar a chamada "bomba demográfica" -uma maioria árabe nos territórios e em Israel governada por uma minoria israelense.
Antes mesmo de seu anúncio, a medida já sofria oposição de setores israelenses -inclusive boa parte do partido de Sharon, o Likud- favoráveis à "Grande Israel", dos EUA e dos palestinos. Impossível ver algum tipo de justiça em medidas unilaterais tomadas por qualquer uma das partes num conflito tão complexo quanto o árabe-israelense. A idéia é intrinsecamente errada.
Mas é pertinente lembrar de outro gesto unilateral fatal ao processo de paz: a decisão, em 2000, da liderança palestina -frustrada com a lentidão do processo de paz- de abandonar os Acordos de Oslo, de 1993, ao não combater o terrorismo da Intifada. Foi isso que endureceu os israelenses e os levou a eleger o "falcão" Sharon, no início de 2001, em lugar do moderado Ehud Barak.
Sharon é um dos maiores arquitetos da colonização (ilegal) de Gaza e da Cisjordânia e um dos mais duros generais israelenses. Sua decisão de esvaziar assentamentos mostra que, aos 75 anos, está cada vez mais pragmático e menos idealista, querendo mudar, no fim da carreira, sua imagem manchada pela desastrada e sangrenta invasão e posterior ocupação do Líbano (1982-2000).
Apesar da condenação do arquiamigo EUA, há pouco que o presidente George W. Bush possa fazer para dissuadir seu aliado Sharon de agir unilateralmente. As eleições presidenciais, em novembro, amarra todos os candidatos ao poderoso lobby judaico.
Sharon crê que, retirando Israel das áreas palestinas povoadas, com uma barreira de alta tecnologia protegendo o país de ataques terroristas e com os EUA ainda mais hegemônicos no Oriente Médio após a ocupação do Iraque, ele poderá garantir a segurança aos israelenses.
O problema, obviamente, é o que está do outro lado do muro. Se o plano de Sharon for implementado, os palestinos ficarão isolados em cantões, com a barreira cortando e comendo suas terras, com seu Estado inviabilizado política e economicamente. Terão ainda mais motivos -já abundantes hoje- para se rebelar contra a ocupação. A possibilidade de anarquia, que já dá sinais hoje, será enorme e pode gerar uma explosão além-muro.
Basta olhar o mapa da região para ver que a única forma de convivência pacífica é um acordo que garanta dois Estados viáveis. O que falta são lideranças capazes de trilhar esse rumo.


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