São Paulo, domingo, 19 de dezembro de 2010

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Nas comunas, Chávez curte sua utopia

Unidades territoriais "pós-capitalistas" são a nova aposta do presidente venezuelano para concentrar poder

Formadas a partir de comitês de bairros, receberão verba federal diretamente, sem passar por instâncias

Jorge Silva - 22.set.2010/Reuters
Residência que abriga comuna em 23 de Enero, em Caracas; unidades criadas pelo presidente venezuelano, Hugo Chávez, sofrem críticas da oposição

FLÁVIA MARREIRO
DE CARACAS

"Bom dia, camarada. Mais um dia para buscar o pão e para se organizar neste processo revolucionário", proclama Irwing Contreras, um dos apresentadores de "Aula Comunal", transmitido do estúdio da rádio Arsenal, no tradicional bairro de 23 de Enero, em Caracas.
São 10h30 da manhã, e não longe dali uma pequena fila se forma diante de um minimercado "comunal".
Maria de Briceño, 67, aponta as peças de pernil dispostas sobre o balcão. "Aqui é muito mais barato. Ponha o dobro de dinheiro para comprar carne em outro lugar."
Briceño é uma das moradoras da "comuna em construção" Panal 2021, que reúne oito blocos das dezenas que formam o 23 de Enero, um bastião chavista com cerca de 100 mil pessoas instalado num conjunto de apartamentos modernistas construídos nos anos 50.
A palavra comuna está espalhada por todo lugar e, se depender do presidente Hugo Chávez, será assim por toda a Venezuela.
Nesta semana, a Assembleia Nacional, dominada pelo oficialismo, além de dar "superpoderes legislativos" para o presidente por 18 meses, também terminou de tornar lei um conjunto de normas que criam e regulam as comunas.
O objetivo é fazer delas a unidade básica do Estado venezuelano, como sonhava Chávez desde 2007.
Naquele ano, porém, a proposta de criá-las foi rejeitada nas urnas no bojo da reforma constitucional proposta pelo governo.
Ressuscitadas nas leis infraconstitucionais, as comunas serão um território com autogestão comunitária.
Receberão verba pública de forma direta e terão empresas com preferência em licitações públicas e até um "parlamento comunal", por exemplo.
Como serão formadas? Pela decisão, por votação direta, de parte de um bairro ou vários bairros -estes, por sua vez, organizados em "conselhos comunitários", comitês de vizinhos promovidos por Chávez desde 2002. São 30 mil hoje no país.
O que os apresentadores da rádio Arsenal veem como a esperança de construir uma sociedade pós-capitalista, com valores humanos e autosustentáveis, os opositores e críticos de Chávez enxergam, na melhor das hipóteses, como delírio utópico.
Na pior, uma mal disfarçada e inconstitucional maneira de centralizar ainda mais poder ligando comunidades diretamente ao Executivo, prescindindo de municípios e Estados.

PRESENÇA DE CHE
Mesmo antes da aprovação do pacote de leis, o governo já incentivava a criação de comunas. Já são mais de 200 "em construção" em todo o país. A Panal 2021 ganhou atenção direta de Chávez, que inaugurou uma fábrica de tijolos lá em agosto.
Além do minimercado, abastecido por uma "fazenda socialista" no interior do país, e da fábrica, há ainda um criatório de peixes e uma fábrica de empacotar açúcar.
Há pouco mais de três semanas, a comuna ganhou um terminal bancário -como os das lotéricas no Brasil.
Mas a experiência dificilmente pode ser considerada piloto e padrão.
É que o 23 de Enero tem três décadas de experiência de organização popular e tudo funciona sob a coordenação do coletivo Alexis Vive, formado por disciplinados jovens que se dizem inspirados em Che Guevara e no teórico marxista Istvan Mészáros, entre outros.
O Alexis Vive é um dos mais jovens grupos radicais chavistas do 23 de Enero, controversos por se envolver em episódios de violência e porque, para os críticos do presidente, são coletivos armados paraestatais, espécie de "milícias" de Chávez.
A comuna se orgulha de ter diversas câmeras espalhadas pelos blocos.
Em uma sala contígua à rádio Arsenal, há dois aparelhos de televisões de tela plana, exibindo as imagens do circuito fechado.


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