São Paulo, terça-feira, 20 de janeiro de 2004

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IRAQUE OCUPADO

Após reunião com americanos e iraquianos, ONU estuda enviar equipe para avaliar a hipótese de eleição neste ano

Cem mil xiitas protestam por voto direto

Ahmad Al Rubaye/France Presse
Empunhando fotos do aiatolá Al Sistani, cerca de 100 mil xiitas em Bagdá exigem eleições diretas


DA REDAÇÃO

O pedido de eleições diretas fez de Bagdá ontem o palco da maior manifestação xiita no Iraque desde a deposição do regime de Saddam Hussein, em abril. Horas depois, em Nova York, membros do Conselho de Governo Iraquiano e o administrador provisório do país, Paul Bremer, debateram o assunto com o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, que considera o envio de uma missão técnica para avaliar a viabilidade de realizar eleições ainda neste ano.
"Eu não acredito que haja tempo suficiente de agora até maio para promover eleições", disse Annan, acrescentando que aguarda "receber mais detalhes".
Repórteres de agências de notícias na capital iraquiana calcularam que até 100 mil manifestantes protestaram por um pleito direto em lugar do sistema de voto indireto que os EUA propõem para a escolha de um governo interino para iraquiano, o qual deve tomar posse em 30 de junho, segundo o cronograma da Autoridade Provisória da Coalizão (APC).
Os xiitas, encabeçados pelo aiatolá Ali al Sistani, exigem eleições diretas neste ano, o que muito provavelmente levaria à escolha de um governante dessa linha muçulmana, que foi reprimida durante a ditadura de Saddam e representa 60% dos iraquianos.
Os EUA, por sua vez, afirmam que, para o voto direto, são necessários um censo e uma nova Constituição, o que demanda mais tempo. Washington também defende um governo interino em que sejam representadas todas as linhas religiosas e étnicas iraquianas e teme a instituição de um governo islâmico.
Já os membros do Conselho de Governo Iraquiano afirmam faltar segurança para o pleito e destacam a falta de uma lei eleitoral que legitime seus resultados.
Autoridades britânicas que fazem parte da APC propuseram um sistema híbrido, que manteria a eleição por um colégio eleitoral, como querem os EUA, mas no qual dois terços seriam escolhidos em eleições locais -a proposta americana prevê a nomeação dos delegados por conselhos regionais indicados pelo Conselho de Governo Iraquiano.
Os EUA já anunciaram estar abertos às sugestões de Al Sistani, mas ressaltam que manterão os prazos e o Colégio Eleitoral.
A ONU foi chamada para endossar a inviabilidade do pleito direto no curto prazo, convencendo Al Sistani e evitando que ele comande um boicote às eleições, como vêm ameaçando alguns de seus assessores.
Al Sistani, por sua vez, também pede a arbitragem da ONU. Ele é um dos líderes religiosos mais poderosos do Iraque, e as recentes manifestações xiitas no país -na última quinta-feira, 25 mil foram às ruas de Basra (sul)- decorrem de sua crítica ao plano americano.
Aos gritos de "sim à unidade" e "sim às eleições", a multidão percorreu cerca de cinco quilômetros empunhando cartazes e faixas de apoio ao aiatolá. "Do mesmo modo que há eleições na Europa e na América, deveria haver eleições aqui", disse um dos manifestantes, Abu Qarar al Bahadiri. "Os americanos dizem que são democráticos e que levam a liberdade aos países. Bom, então deveriam trazer também eleições. Ainda mais para nós, que vivemos 35 anos na escuridão."

Retorno da ONU
Annan aceita enviar uma missão a Bagdá, mas afirmou que ainda são necessárias discussões técnicas com membros da APC e do conselho iraquiano. Na semana passada, o secretário-geral anunciara o envio de um grupo para e avaliar a situação de segurança.
A ONU retirou todos os seus funcionários estrangeiros do Iraque no fim do ano passado, após ter sua sede bagdali atingida por dois atentados que mataram 24 pessoas em agosto e setembro. Na época, o organismo exigia um papel mais político na reconstrução, após ter tido sua participação reduzida à ajuda humanitária.
Com dificuldades para contornar as exigências de Al Sistani, os EUA podem ceder maior poder à entidade a fim de concluir sua missão política no Iraque o mais rápido possível. A presença militar, entretanto, deve seguir até 2006, pelo menos -a expectativa é que, com o fim da APC, as tensões entre os iraquianos e as forças de ocupação se reduzam.

Com agências internacionais

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