São Paulo, quarta-feira, 20 de fevereiro de 2002

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Pentágono quer "plantar" notícias reais e fictícias para ganhar a opinião pública dos aliados e confundir os inimigos

EUA estudam divulgar informações falsas

MARCIO AITH
DE WASHINGTON

A revelação de que o Pentágono cogita divulgar informações falsas para influenciar a opinião pública internacional acirrou atritos dentro do governo dos EUA e elevou o temor de que militares americanos possam ter acumulado um poder excessivo depois de 11 de setembro.
Segundo o "New York Times", o plano foi elaborado pelo Escritório de Influência Estratégica, grupo criado pelo Pentágono depois dos atentados para convencer a opinião pública no Oriente Médio e na Ásia que os EUA não estão em guerra contra o islã, mas contra o terrorismo.
Entre as propostas sugeridas pelo escritório estaria a de "plantar" informações verdadeiras e falsas nas agências de notícias estrangeiras por meio de pessoas que não tenham laços óbvios com o Pentágono. Outra envolve o envio de e-mails para jornalistas, líderes civis e estrangeiros para promover a visão americana ou ataques a governos inimigos. Os autores dessas mensagens não seriam militares americanos, mas pessoas e empresas supostamente desligadas do governo dos EUA.
O plano não seria executado apenas em nações inimigas, mas também em países aliados dos EUA no Oriente Médio, na Ásia e até na Europa ocidental.
Embora a idéia não tenha ainda passado pelo crivo do presidente George W. Bush, a divulgação de sua existência provocou uma reação de indignação pública de vários especialistas e críticas veladas de funcionários do governo.
"A proposta provavelmente foi vazada para a imprensa por alguém que pretendia inviabilizá-la", disse à Folha Stephen Hess, especialista em propaganda e governo do Instituto Brookings, em Washington. "Felizmente, o vazamento indica que ainda há pessoas sensatas trabalhando dentro do governo. Esse tipo de idéia nos faz desconfiar de todas as informações que recebemos."
Os principais adversários da proposta no governo são as autoridades do Departamento de Estado e funcionários regulares do departamento de comunicação do Pentágono.
Nos últimos meses, o Escritório de Influência Estratégica criou um conflito de competência ao assumir um papel de divulgação tradicional de agências civis, principalmente o do Departamento de Estado. Além disso, ao sugerir campanhas secretas de desinformação no exterior, o escritório também passou a ocupar o espaço de atuação da CIA.
O porta-voz do Departamento de Estado, Richard Boucher, disse conhecer a existência e o trabalho do escritório do Pentágono, mas se negou a discutir suas funções. Indagado sobre a política de informação do Departamento de Estado, ele disse: "Nós fornecemos informações precisas e verdadeiras".
Ontem, a subsecretária para comunicação do Pentágono, Victoria Clarke, não negou nem confirmou a existência do projeto. "O trabalho do escritório (de Influência Estratégica) está em andamento e seu mandato ainda não está claro."

Métodos heterodoxos
O escritório é chefiado pelo general-de-brigada Simon P. Worden. Desde que o escritório foi criado, sob a comoção dos atentados de 11 de setembro, Worden e outros responsáveis pelo grupo nunca esconderam a disposição de usar métodos heterodoxos nem o fato de que passaram a cumprir uma missão estranha às atribuições regulares dos militares.
"O escritório emprega todos os instrumentos dentro do Departamento de Defesa para influenciar o público estrangeiro", disse recentemente Thomas A. Timmes, um ex-coronel do Exército e assessor de Worden. "O Departamento da Defesa tradicionalmente não faz essas coisas."
Philip Taylor, especialista inglês em propaganda militar, explicou que a divulgação de informações falsas por militares é uma tática antiga, mas quase sempre limitada aos campos de batalha.
No entanto o novo escritório montado pelo Pentágono inova ao sugerir o uso da mesma tática contra populações civis de países estrangeiros. Além disso, a sugestão de que a missão seja estendida para nações aliadas transcende objetivos militares.
Se o plano do Pentágono for aprovado e executado, não será a primeira vez que um órgão do governo americano terá usado uma campanha deliberada de desinformação envolvendo jornalistas. Em 1986, durante o governo de Ronald Reagan, o então porta-voz do Departamento de Estado, Bernard Kalb, renunciou em protesto contra uma campanha deliberada para que mentisse. A campanha fora elaborada pelo então secretário de Estado, George Shultz, para justificar os ataques militares dos EUA à Líbia.



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