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ORIENTE MÉDIO
Em livro de reportagens, Ariel Finguerman mostra o papel dos "sem-poder" na trajetória do levante palestino
Brasileiro foca o exótico ao relatar a segunda Intifada
MARCOS GUTERMAN
EDITOR-ADJUNTO DE MUNDO
Muito papel já foi gasto para publicar as decisões de Estado e de lideranças carismáticas envolvidas
no conflito israelo-palestino. A
cada novo acordo de paz e a cada
novo rompimento, as vozes amplificadas são as dos chefes, que
fazem da mídia o tabuleiro de seu
jogo político. Mas a história desse
confronto é também a dos "sem-poder", personagens geralmente
tratados pela imprensa como
massa indistinta -genericamente "palestinos" e "israelenses"-,
sem que tenhamos condições de
conhecê-los nem de dimensionar
sua força. O jornalista brasileiro
Ariel Finguerman resolveu observá-los de perto, e o resultado, o livro "Retratos de uma Guerra", é
revelador da assustadora complexidade desse combate.
"Retratos" envolve a cobertura
dos mais de quatro anos da nova
Intifada, supostamente encerrada
agora com o aperto de mão entre
o premiê de Israel, Ariel Sharon, e
o presidente palestino, Mahmoud
Abbas. No livro, Finguerman escolhe contar essa história por
meio de personagens exóticos,
como o rabino convertido ao islamismo, o jornalista israelense que
só cobre o lado palestino e os soldados gays de Israel.
No final das contas, trata-se de
uma opção um tanto pessimista.
Finguerman parece entender que,
em boa parte dos casos, somente
aqueles que se permitem compreender o "outro lado" de forma
radical, transformando-se no
"inimigo", como faz, por exemplo, o rabino que é ministro da
Autoridade Nacional Palestina,
são capazes de fornecer esperança
de solução para o conflito.
E não é à toa. "Hoje, os dois lados reconhecem que não é o momento de falar em paz, apenas em
pequenas concessões", disse Finguerman à Folha, ao comentar a
trégua entre Israel e palestinos.
Em meio ao relato muitas vezes
cândido e engraçado dos personagens, é possível divisar claramente o imenso muro cultural
que separa os dois povos, cuja superação parece ser impossível. A
construção do muro de concreto
talvez tenha sido, afinal, a materialização dessa impossibilidade.
Não é por outra razão que Finguerman considera o muro israelense o principal símbolo da nova
Intifada. "O muro não partiu da
direita israelense. O muro partiu
de um movimento popular israelense, da necessidade de separar
as duas populações", diz ele.
Finguerman dá exemplos claros
desse abismo. Ele mostra, por
exemplo, como o martírio de jovens é louvado pelos palestinos.
Após o primeiro atentado suicida
contra israelenses cometido por
uma mulher, Wafa Idris, 28, ela é
elogiada por duas meninas, de
dez e 11 anos, a caminho da casa
da família enlutada. "É a primeira
vez que uma garota faz isso. É bonito", diz uma delas. "Wafa está
morta, mas estamos contentes pelo que ela fez", afirma a cunhada
da suicida. Idris matou um israelense de 81 anos na explosão no
centro de Jerusalém.
Mesmo alguns palestinos afirmam que o martírio é "cultural",
coisa que a ocidentalizada sociedade israelense não consegue
compreender. Além disso, disse
Finguerman na entrevista, restam
poucas armas para os palestinos
enfrentarem os israelenses, e uma
delas é o uso de terroristas suicidas. "Os suicidas eram a única
maneira de dar o troco nos israelenses. Mas, a partir do 11 de Setembro, a Intifada foi vinculada
ao terrorismo e começou a perder
legitimidade."
Do lado israelense, Finguerman
fala com um colono judeu na Cisjordânia que compara os territórios palestinos a um "quarto de
empregada" e afirma: "Eles têm
ciúmes de nós; não pode haver
uma relação boa. O que será a Palestina? Dá para imaginar coisa
boa saindo disso?". É de uma eloqüência auto-explicativa.
Essa clara indisposição israelense em relação aos palestinos, porém, não se limita mais aos colonos. A crescente popularidade de
Ariel Sharon em Israel talvez seja
o melhor termômetro disso. De
pária político, Sharon tornou-se o
que Finguerman chama de "uma
espécie de pai" para boa parte dos
israelenses. E poucos nomes causam tamanha repulsa entre os palestinos do que o de Sharon.
Finguerman, judeu, sentiu essa
dificuldade de perto por ter o nome do premiê (Ariel) e de uma
das maiores colônias judaicas na
Cisjordânia. Mas os riscos do trabalho, conta ele, foram reduzidos
consideravelmente pelo fato de
ser brasileiro.
O Brasil é um fenômeno nos territórios palestinos e mesmo em
Israel. Como relata Finguerman
no livro, o futebol, principal produto cultural brasileiro no Oriente Médio, é um dos raros elementos capazes de agregar árabes e judeus. E a camisa da seleção brasileira é vista como uma espécie de
passaporte tanto por soldados israelenses nos postos de fronteira
como por militantes de grupos
extremistas palestinos.
"Quando o Brasil joga, é como
se os palestinos estivessem em
campo", diz no livro um palestino
presidente de um time de Ramallah. "Mesmo não havendo paz e
não sendo amigos, quando nós e
os israelenses assistimos ao Brasil
jogar, não vemos política, mas
sim futebol."
Retratos de uma Guerra
Autor: Ariel Finguerman
Editora: Globo
Quanto: R$ 30 (200 págs.)
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