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São Paulo, domingo, 20 de abril de 2003

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Após guerra, cisão no Partido Trabalhista desafia Blair

MARIA LUIZA ABBOTT
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DE LONDRES

A guerra no Iraque foi rápida, e o número de vítimas, relativamente baixo. Com essa combinação, o premiê britânico, Tony Blair, foi o grande vencedor na disputa política em torno de ir ou não à guerra que dividira o Reino Unido. Mas, apesar de toda a euforia, Blair tem uma dura tarefa pela frente, a de pacificar o seu próprio partido, o Trabalhista.
Nesta semana, ele confessou que pensara em deixar o cargo se tivesse sido derrotado pelo Parlamento em sua decisão de ir à guerra. Ele ganhou a batalha, em parte graças aos votos do Partido Conservador. Entre os trabalhistas, 139 dos 410 parlamentares votaram contra ele, na maior rebelião do seu partido desde que Blair assumiu o posto, em 1997.
E, agora, ele terá de neutralizar ou atrair os trabalhistas que mantêm sua oposição a ele.
"Na prática, o Partido Trabalhista está totalmente dividido, porque cerca da metade dos parlamentares é totalmente contrária a Blair, não somente em relação à política externa. Eles se opõem a reformas do sistema de saúde e educação e à política de transporte", diz o professor Gwyn Prins, pesquisador da London School of Economics e da Universidade Columbia, de Nova York.
Prins considera que o Iraque foi o catalisador da revolta de parlamentares que discordam das políticas do premiê. As propostas de Blair incluem parcerias entre os setores público e privado para viabilizar o financiamento de áreas como saúde e transporte e o aumento das contribuições pagas às universidades, entre outras iniciativas. Boa parte dos parlamentares trabalhistas tem origens socialistas e se opõe às mudanças.
Para Prins, Blair não é socialista, mas "naturalmente conservador", por natureza e temperamento. Essa é, segundo ele, uma característica de todos os que já ocuparam o cargo de premiê no país. Na sua avaliação, o Novo Trabalhismo é um reconhecimento de que o partido nunca ganharia as eleições se não tivesse um premiê conservador.
"Blair destruiu o Partido Conservador ao roubar as políticas dos conservadores. E depois, Blair transferiu essas políticas para o Partido Trabalhista que, por isso, está dividido em dois", explica.
Para Prins, todos os que se consideram socialistas dentro do Partido Trabalhista odeiam Blair, e, quando a questão é George W. Bush, "tornam-se incompreensíveis na sua fúria".
A decisão sobre o Iraque evidenciou uma situação que, segundo o professor, tem semelhanças com a que enfrentou Ramsay MacDonald, o primeiro trabalhista a chegar ao cargo de premiê britânico.
MacDonald ocupou o posto como um trabalhista entre 1929 e 1931. Naquele ano, o Partido Trabalhista se voltou contra ele, que optou por formar um governo de coalizão de liberais e conservadores e ficou como primeiro-ministro até 1935.
"A situação hoje tem similaridades com o que aconteceu com Ramsay MacDonald, que foi abandonado por seu partido. Blair tem agora uma difícil escolha. Ele está triunfante e terá de escolher entre destruir seus opositores ou apaziguá-los", explica.
Blair tem motivos para se sentir triunfante, tendo em vista a grande virada da opinião pública britânica, que, em fevereiro, era majoritariamente contra a guerra.
Pesquisa feita pelo instituto Populus para o jornal "The Times" mostra que o apoio ao partido de Blair subiu sete pontos desde o início de março, chegando a 41% dos entrevistados. No mesmo período, a parcela a favor do Partido Conservador caiu cinco pontos, chegando a apenas 29%.
Na área externa, Blair também tem grandes desafios. Até agora, aparentemente, França e Alemanha perderam espaço por terem se oposto à guerra e dividido a União Européia (UE). Mas as diferenças expuseram as dificuldades em criar um modelo de uma Europa mais federativa, com uma moeda única e capaz de rivalizar com os Estados Unidos.
Na avaliação de Prins, fortalecido, Blair poderá ocupar o espaço e aumentar sua liderança na UE. Mas, também nessa questão, terá problemas para reunir a maioria do seu partido.

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