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São Paulo, domingo, 20 de abril de 2003

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Profissão fotógrafo

MASSIMO GENTILE
EDITOR DE ARTE

As imagens do impressionante bombardeio, em Bagdá, que marcou o começo da operação "Choque e Pavor" mostraram uma cidade que não quis se esconder.
Estranhamente, as estradas, as pontes e até todos os prédios do complexo presidencial se mostravam completamente iluminados, quase para facilitar o trabalho dos poucos foto-repórteres ocidentais, entre eles Juca Varella, da Folha, autorizados pelo regime iraquiano a trabalhar no epicentro da invação do Iraque.
E, já com as luzes do dia, os fotógrafos, desafiando os perigos dos bombardeios, puderam testemunhar os efeitos dos primeiros ataques aos pontos cruciais e aos hospitais da cidade.
Uma situação bem diferente da ocorrida ha doze anos. Em 1991 o conflito entrou em nossas casas graças às crônicas de Peter Arnett e às transmissões da CNN, a única TV que fora autorizada a transmitir de Bagdá, enquanto centenas de jornalistas e fotógrafos se encontravam no Kuiat ou no Qatar, na nervosa espera do fim do ataque aéreo que, na realidade, durou quase três meses. As imagens noturnas, transmitidas pela CNN, da artilharia anti-aérea iraquiana e dos míseis americanos, repassavam uma idéia de uma guerra asséptica, longe e tecnológica: era a guerra Nintendo. Para os comandos militares americanos, aquelas crônicas funcionaram muito bem, mas só até quando Peter Arnett não se encontrou na obriagação de documentar as primeiras vítimas civis causadas pelos erros de bombardeios que, segundo a propaganda americana, deveriam ser "cirúrgicos".
Exatamente naquele momento o regime iraquiano descobriu o quanto eram fortes, para opinião pública dos países inimigos, as imagens, não de seus soldados mortos, mas das vítimas inocentes. Talvez por isso, doze anos depois os iraquianos se abriram a um número maior de jornalistas e fotógrafos.
O francês Jerome Delay, repórter da agência Associated Press, e o sérvio Goran Tomasevic, da Reuters, foram os primeiros fotógrafos a entrar em Bagdá, já em outubro de 2002, com cinco meses de antecedência ao bombardeio americano. Neste período documentaram, não só a volta dos inspetores da ONU, ou a chegada dos primeiros escudos humanos e as manifestações dos homens-bomba exaltando Saddam, mas também a vida fervorosa na cidade que logo se tornaria o alvo final dos mísseis americanos.
No site da revista de fotojornalismo "Digital Journalist" (www.digitaljournalist.org), é possível ver o trabalho desenvolvido por Delay antes do conflito, e, na apresentação do especial, ele dclara: "Trabalhar com os iraquianos foi dificil. Foram impostas sérias limitações, mas você já tentou ultimamente fotografar no metrô de Paris?".
Delay, 42, apesar de jovem, é um dos melhores e mais experientes fotógrafos de conflitos, incluindo a guerra civil na ex-Iugoslávia e o ataque americano ao Afeganistão. Chegou ao Iraque depois de ter acompanhado, em maio de 2002, a vitória de Chirac contra Le Pen nas eleições presidenciais na França e, em seguida, fotografado os preparativos da guerra no porta-aviões americano Abraham Lincoln, no golfo Pérsico.
Goran Tomasevic carrega a experiência da guerra de Kossovo de 1999, na ex-Iugoslávia, quando documentou as vítimas de origem albanesa dos bombardeios da Otan em Pristina. Antes de se mudar para Bagdá, passou o ano de 2002 na Palestina, acompanhando um dos momentos mais dramáticos do conflito contra Israel, e, em abril, o assédio israelense aos soldados palestinos refugiados dentro da igreja da Natividade, em Belém.
Desde do começo do ataque americano ao Iraque, Jerome e Goran estiveram próximos nos momentos mais marcantes, como no caso do bombardeio no mercado que, no dia 26 de março, matou 15 civis, segundo a versão iraquiana. Eles fotografaram, literalmente, lado-a-lado, o momento da queda da estátua de Saddam na praça em frente ao hotel Palestine. Goran, neste caso, teve mais sorte do que Jerome: conseguiu uma sequência melhor, e foi o único capaz de retratar o rosto do marine Edward Chin, de 23 anos, que, colacando a bandeira americana na cabeça da estátua de Saddam, virou protagonista da cena símbolo, se não do fim do regime, com certeza da ocupação militar americana.
Mas o conflito não envolveu só Bagdá. Uma das novidades da guerra foi o grande número de jornalistas "embedded" ou seja que trabalharam acompanhando as tropas da coalizão. Na fase final da Segunda Guerra, os comandos miltares americanos, aceitaram um total de 65 entre jornalistas e fotógrafos, nos vários fronts no mundo. Desta vez, segunto o Poynter, instituto de estudos sobre mídia (www.poynter.org), o total cresceu para 246 profissionais cadastrados pelo Departamento de Defesa.
Apesar do grande número, foi um trabalho dificil, com limitações técnicas, vigiado pela censura militar, e com um longa lista de regras a ser respeitadas, como a proibição absoluta de fotografar soldados americanos mortos, ou gravemente feridos. Além dessas dificuldades, a sorte também teve um papel importante. O pior aconteceu com os fotógafos juntos a 4ª Divisão do Exército americano, que não conseguiram entrar no norte do Iraque, por causa da proibição da Turquia de usar seus territórios como passagem: eles voltaram para a casa.
Sorte maior tiveram os fotógrafos ingleses cujos trabalhos ganharam as primeiras páginas do mundo inteiro na primeira fase da guerra, quando o foco das atenções da mídia concentrou-se nos ataques das tropas britânicas nas principais cidades do fronte sul. Jon Mills, inexperiente fotógrafo de 27 anos de uma rede da imprensa regional de Bristol, conseguiu documentar o dramático fim de dois soldados iraquianos, bombareiados numa trincheira, apesar de uma trágica tentativa de se render.
Dan Chung, fanático torcedor do Manchester United de 30 anos, retratou a fuga dos civis das cidades e produziu um ensaio sobre crianças, mostrado numa galeria digital do jornal inglês "Independent" (www.independent.co.uk).
Mas, com a demora do longo assédio inglês a Basra, o que chamou a atenção da mídia, foi o rápido avanço da 3ª Divisão americana em direção a Bagdá. John Moore é, entre os fotografos americanos no Iraque, aquele que melhor conhece os problemas da América Latina e os movimentos das guerrilhas. No Iraque, ao longo de vinte um dias, Moore acompanhou a corrida das tropas americans, a partir do Kuait, na tentativa de caça a Saddam na capital. Mas antes de chegar em Bagdá, teve que passar pela terrível batalha contra a Guarda Republicana na ponte sobre o rio Eufrates em Hindiyah. Estava na primeira fila de socorro aos civis que ficaram no meio do tiroteio.
David Leeson é outro fotógrafo americano que ficou com a 3ª Divisão e chegou em Bagdá, fotografando uma outra batalha importante e decisiva, a de Karbala. David também carrega uma grande experiêcia: mais de vinte anos de profissão, além da passagem por crises em 30 paises e por meia dúzia de áreas de conflitos.
Entre uma guerra e outra, curiosamente, desenvolveu uma grande paixão pelas fotos de natureza. No site http://www.profotos.com/pros/profiles/biography.cfm?member=52, apresentando seu trabalho, declara: "Só a natureza passa uma paz que não conheçe a divisão de fronteiras, raças, crenças, cores ou nacionalidades". Um caso típico de efeito colateral.

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