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CONFERÊNCIA SOBRE RACISMO
EUA e Europa devem barrar compensação à África por tráfico de escravos e colonialismo
Reparação por escravidão deve ser rejeitada
FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO
Desculpas e compensações pelos fatos do passado, como a escravidão e o colonialismo, transformaram-se em pontos conflituosos da Conferência das Nações
Unidas contra o Racismo, a Discriminação, a Xenofobia e a Intolerância Correlata, que acontece
de 31 de agosto a 7 de setembro
em Durban, na África do Sul.
Países africanos querem um pedido formal de desculpas e já
apresentaram para discussão, no
último encontro preparatório para a conferência, realizado em Genebra, uma lista de políticas chamadas compensatórias, executáveis com recursos financeiros adicionais vindos dos países desenvolvidos.
"Há necessidade de desculpas
pela escravidão, pelo colonialismo e pelo tráfico de escravos.
Queremos desculpas dos países
diretamente envolvidos e queremos que a escravidão seja declarada crime contra a humanidade", afirmou à Folha Amina Mohamed, embaixadora em Genebra do Quênia, país que está na
coordenação do grupo africano.
A lista pede, de forma genérica,
programas de cooperação internacional e solidariedade com a
África. São propostas que incluem perdão de dívidas, acesso a
mercados e novas tecnologias,
serviços de saúde, desenvolvimento de infra-estrutura e combate ao tráfico de pessoas e de armas, entre outras.
A nova iniciativa africana é uma
forma de negociar políticas de
compensação, depois da negativa
explícita dos Estados Unidos e da
União Européia de aprovar qualquer tipo de reparação direta aos
países mais afetados pelo tráfico
de escravos.
No primeiro documento africano, elaborado na Conferência de
Dacar, no Senegal (em janeiro de
2001), falava-se em "sistema internacional de compensação para vítimas do tráfico e atos racistas
transnacionais" -formulação
inaceitável para os países europeus, que comandaram o comércio de escravos e a exploração colonialista.
Entre especialistas, é considerada remotíssima a possibilidade de
reparações financeiras de um país
para outro, assim como a elaboração de uma lista de vítimas individuais.
Os Estados Unidos -que nem
mesmo definiram se irão a Durban- consideram que as reparações são "um assunto doméstico"
que não deveria ser tratado num
fórum internacional.
Os últimos pronunciamentos
do Departamento de Estado norte-americano sobre a conferência
indicam que os EUA estão insatisfeitos com a linguagem adotada
até agora.
O conselheiro de Direitos Humanos da missão permanente da
Espanha em Genebra, Inigo de
Palacio España, disse à Folha que
a discussão sobre os fatos do passado está provocando, equivocadamente, uma mudança no foco
da conferência.
"Alguns países africanos acham
que os fundos internacionais de
cooperação para o desenvolvimento são infinitos. Não é possível haver mais recursos internacionais para a África", afirmou
España, dizendo que a União Européia já é responsável por 50%
dos recursos para os países em desenvolvimento.
O representante da Espanha
disse que a União Européia está
disposta a "lamentar profundamente as injustiças" trazidas por
fatos do passado. "Mas é sociologicamente complicado pedir desculpas por fatos ocorridos há
muitos anos", afirmou.
O que parece só um problema
semântico é, na verdade, uma disputa política e jurídica: pedir desculpas abre, na avaliação de alguns países, a possibilidade de
criar responsabilidade jurídica
sobre fatos do passado.
O mesmo se aplica ao uso da expressão "crime contra a humanidade" para qualificar a escravidão
e o colonialismo.
"Não podemos julgar um fato
do passado com conceitos do presente. No caso do passado colonial, por exemplo, a presença espanhola na América foi respaldada por uma bula papal", afirmou
España.
Posição brasileira
Uma posição considerada intermediária é a que foi adotada no
encontro regional das Américas,
realizado em Santiago (Chile), em
dezembro do ano passado.
Nesse documento, os países
participantes (inclusive os Estados Unidos e o Canadá) reconhecem que a escravidão e o tráfico
de escravos foram moralmente
condenáveis e, caso ocorressem
hoje, seriam considerados crimes
contra a humanidade.
O Brasil defende, para o documento final da conferência de
Durban, um pedido de desculpas
coletivas, também reconhecendo
que seriam crimes contra a humanidade (se praticados hoje) atos
de colonialismo, a escravidão e o
tráfico de escravos.
Para o embaixador Gilberto Saboia, secretário de Estado de Direitos Humanos e presidente do
comitê brasileiro preparatório para a conferência, as formas de
compensação sobre os fatos do
passado podem se traduzir em
políticas de cooperação internacional, mas sem reparações financeiras.
"Internamente, os países podem adotar políticas de ação afirmativa, para que grupos historicamente prejudicados tenham
mais acesso à saúde e à educação", afirmou Saboia.
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