São Paulo, segunda-feira, 20 de agosto de 2001

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CONFERÊNCIA SOBRE RACISMO

EUA e Europa devem barrar compensação à África por tráfico de escravos e colonialismo

Reparação por escravidão deve ser rejeitada

FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO

Desculpas e compensações pelos fatos do passado, como a escravidão e o colonialismo, transformaram-se em pontos conflituosos da Conferência das Nações Unidas contra o Racismo, a Discriminação, a Xenofobia e a Intolerância Correlata, que acontece de 31 de agosto a 7 de setembro em Durban, na África do Sul.
Países africanos querem um pedido formal de desculpas e já apresentaram para discussão, no último encontro preparatório para a conferência, realizado em Genebra, uma lista de políticas chamadas compensatórias, executáveis com recursos financeiros adicionais vindos dos países desenvolvidos.
"Há necessidade de desculpas pela escravidão, pelo colonialismo e pelo tráfico de escravos. Queremos desculpas dos países diretamente envolvidos e queremos que a escravidão seja declarada crime contra a humanidade", afirmou à Folha Amina Mohamed, embaixadora em Genebra do Quênia, país que está na coordenação do grupo africano.
A lista pede, de forma genérica, programas de cooperação internacional e solidariedade com a África. São propostas que incluem perdão de dívidas, acesso a mercados e novas tecnologias, serviços de saúde, desenvolvimento de infra-estrutura e combate ao tráfico de pessoas e de armas, entre outras.
A nova iniciativa africana é uma forma de negociar políticas de compensação, depois da negativa explícita dos Estados Unidos e da União Européia de aprovar qualquer tipo de reparação direta aos países mais afetados pelo tráfico de escravos.
No primeiro documento africano, elaborado na Conferência de Dacar, no Senegal (em janeiro de 2001), falava-se em "sistema internacional de compensação para vítimas do tráfico e atos racistas transnacionais" -formulação inaceitável para os países europeus, que comandaram o comércio de escravos e a exploração colonialista.
Entre especialistas, é considerada remotíssima a possibilidade de reparações financeiras de um país para outro, assim como a elaboração de uma lista de vítimas individuais.
Os Estados Unidos -que nem mesmo definiram se irão a Durban- consideram que as reparações são "um assunto doméstico" que não deveria ser tratado num fórum internacional.
Os últimos pronunciamentos do Departamento de Estado norte-americano sobre a conferência indicam que os EUA estão insatisfeitos com a linguagem adotada até agora.
O conselheiro de Direitos Humanos da missão permanente da Espanha em Genebra, Inigo de Palacio España, disse à Folha que a discussão sobre os fatos do passado está provocando, equivocadamente, uma mudança no foco da conferência.
"Alguns países africanos acham que os fundos internacionais de cooperação para o desenvolvimento são infinitos. Não é possível haver mais recursos internacionais para a África", afirmou España, dizendo que a União Européia já é responsável por 50% dos recursos para os países em desenvolvimento.
O representante da Espanha disse que a União Européia está disposta a "lamentar profundamente as injustiças" trazidas por fatos do passado. "Mas é sociologicamente complicado pedir desculpas por fatos ocorridos há muitos anos", afirmou.
O que parece só um problema semântico é, na verdade, uma disputa política e jurídica: pedir desculpas abre, na avaliação de alguns países, a possibilidade de criar responsabilidade jurídica sobre fatos do passado.
O mesmo se aplica ao uso da expressão "crime contra a humanidade" para qualificar a escravidão e o colonialismo.
"Não podemos julgar um fato do passado com conceitos do presente. No caso do passado colonial, por exemplo, a presença espanhola na América foi respaldada por uma bula papal", afirmou España.

Posição brasileira
Uma posição considerada intermediária é a que foi adotada no encontro regional das Américas, realizado em Santiago (Chile), em dezembro do ano passado.
Nesse documento, os países participantes (inclusive os Estados Unidos e o Canadá) reconhecem que a escravidão e o tráfico de escravos foram moralmente condenáveis e, caso ocorressem hoje, seriam considerados crimes contra a humanidade.
O Brasil defende, para o documento final da conferência de Durban, um pedido de desculpas coletivas, também reconhecendo que seriam crimes contra a humanidade (se praticados hoje) atos de colonialismo, a escravidão e o tráfico de escravos.
Para o embaixador Gilberto Saboia, secretário de Estado de Direitos Humanos e presidente do comitê brasileiro preparatório para a conferência, as formas de compensação sobre os fatos do passado podem se traduzir em políticas de cooperação internacional, mas sem reparações financeiras.
"Internamente, os países podem adotar políticas de ação afirmativa, para que grupos historicamente prejudicados tenham mais acesso à saúde e à educação", afirmou Saboia.



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