São Paulo, sexta-feira, 20 de outubro de 2000

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JUSTIÇA
O réu, Amnon Chemouil, é acusado de ter violado uma menina em Pattaya, conhecida como "Las Vegas do sexo" na Tailândia
França julga turista sexual pela 1ª vez

FRANÇOISE-MARIE SANTUCCI
DO "LIBÉRATION"

"Mergulhei no inferno." O homem soluça no banco dos réus do Tribunal de Justiça de Paris, onde começou ontem seu julgamento por violação de uma garota menor de idade. O crime se deu do outro lado do mundo, na Tailândia. Foi em Pattaya, uma cidade que, nas palavras de um policial, "é para o sexo o que Las Vegas é para o jogo", ou, segundo Amnon Chemouil, 48 anos, é "um lugar para ir mais longe". Num dia de fevereiro de 1994, ele foi até a felação, praticada sobre ele por uma menina num quarto de hotel. Preço: 150 francos franceses (cerca de R$ 36, em valores de hoje). Pena possível: 20 anos de reclusão.
A cena foi filmada por um suíço que Chemouil conheceu na praia, e foi a prisão desse homem, seguida de sua confissão, que permitiu às autoridades suíças transmitir o caso à delegacia de menores de Paris, em virtude de uma nova lei de cooperação entre polícias.
Interrogado em julho de 1997, Chemouil foi colocado em liberdade sob controle judiciário oito meses mais tarde. Seu julgamento, o primeiro do gênero na França, é também o julgamento do turismo sexual. Para as associações que o combatem, o processo tem valor de exemplo sobretudo porque a vítima está no tribunal, tendo tido sua viagem de Bancoc paga pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), que entrou com o processo. A jovem franzina que acaba de atingir a maioridade tem os cabelos presos num rabo de cavalo e se mostra tímida diante do réu arrependido, de cabeça raspada.
No entanto, por mais exemplar que possa parecer, essa história tem pontos duvidosos. Um deles é a identidade exata da vítima, localizada por uma associação tailandesa em 1999, após os fracassos de tentativas anteriores feitas pelas polícias francesa e local. Outro é formado pelas declarações prestadas pela garota aos investigadores locais. Por último, pairam dúvidas sobre o procedimento, já que a "descoberta" da vítima ocorreu após a conclusão da instrução francesa. Não foi feita nenhuma perícia nem qualquer confronto. Assim, desde a abertura da audiência, o advogado de Chemouil, François Rozenbaum, pediu mais informações. Elas lhe foram negadas. Alguns dos advogados de acusação chegaram ao ponto de dizer: "Se esta moça não é a vítima, pouco importa, já que o crime foi admitido".
De fato, o crime não foi contestado em nenhum momento. Em fevereiro de 1994, Chemouil retornou a Pattaya pela terceira vez. Para ele, o lugar era "o paraíso": garotas, bares onde podia encontrá-las, a praia. Mas ele afirma nunca ter feito sexo com crianças -até que Viktor Michel, um suíço pedófilo, lhe propôs experimentar com uma menina. "Fui deixando as coisas acontecerem. Eu era um canalha", diz Chemouil. Na França, afirma, a idéia não teria passado pela cabeça. Mas, na Tailândia, "os critérios não são os mesmos".
O intermediário suíço lhe apresentou uma jovem mulher, tia da vítima. Negócio fechado: Chemouil, Michel e a tia foram a um quarto de hotel. "Eu esperava encontrar alguém de 15 anos", diz Chemouil. Mas quem entrou no quarto foi uma menina bem menor, que pediu para ver TV. "A tia me perguntou o que eu desejava. Ela queria que eu fosse o mais longe possível, pelo dinheiro." O suíço tirou uma foto e começou a filmar a cena. Chemouil relatou: "Eu me perguntei como poderia sair daquela situação. É horrível, mas, naquele momento, pareceu-me que o mínimo que eu poderia fazer, antes de ir embora, seria a felação. Eu tinha consciência de que era errado, mas fui covarde. Hoje não suporto encarar esse mínimo, esse lado crápula que manifestei".
Dois ou três meses mais tarde, Chemouil recebeu a fita de vídeo em Paris. "Eu a assisti e não vi mais nada senão a criança." A menina anônima, à qual ele afirma ter dado um nome, o assombra. "Aquela fita era a recordação de minha culpa. Quando fui preso, foi uma libertação. Os policiais me maltrataram um pouco, e eu os agradeço por isso. Graças a eles, dei-me conta do que fiz."
Às lágrimas, o réu parece continuar no tribunal a psicoterapia iniciada na prisão. Indagando sobre seu passado, descobre-se que ele foi vítima de abusos sexuais aos 8 anos de idade e que seu pai abafou o caso. Hoje Chemouil diz estar "no caminho da verdade". O veredicto será dado esta noite.


Tradução de Clara Allain



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