São Paulo, quarta-feira, 20 de dezembro de 2006

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Líbia condena cinco búlgaras à morte

Enfermeiras e médico palestino são acusados de infectarem 426 crianças com HIV, o que negam pesquisas independentes

Ditador Gaddafi politizou o caso; pena é criticada pela ONU, Bulgária, Casa Branca e União Européia; defesa recorrerá ao Supremo líbio

DA REDAÇÃO

Cinco enfermeiras búlgaras e um médico palestino foram ontem condenados à morte, na Líbia, por supostamente infectarem com HIV, "de forma deliberada", 426 crianças num hospital da cidade de Benghazi.
A sentença gerou imediato protestos das Nações Unidas, dos governos da Bulgária, França e Estados Unidos e da União Européia.
Os réus estão presos há sete anos, e a sentença ontem anunciada conclui o segundo julgamento, já que o primeiro foi anulado por vícios formais.
Os advogados anunciaram que irão recorrer á Corte Suprema daquele país norte-africano. O processo também será analisado pelo Alto Conselho de Justiça, presidido por um dos ministros do ditador Muammar Gaddafi.
O caso se politizou desde o início, transformando-se na mídia local em questão de honra machucada. Gaddafi, ao orquestrar o que muitos qualificam de farsa judicial, põe em risco sua reaproximação com o Ocidente, iniciada em 2003, após o abandono de seus projetos de produção de armas de destruição em massa.
A condenação do médico palestino e das cinco enfermeiras não levou em conta duas pesquisas independentes.
Na primeira, ontem lembrada pela Associação Médica Mundial e pelo Conselho Internacional de Enfermagem, o médico francês Luc Montagnier, um dos descobridores do vírus da Aids, constatou que o HIV estava presente no hospital bem antes que os atuais réus fossem contratados.
A segunda pesquisa, publicada pela revista "Nature" e coordenada por infectologistas da Universidade de Oxford, aplicou a noção de "relógio molecular" para demonstrar que a infecção das crianças precedeu em até três anos a chegada das enfermeiras a Benghazi.
Cientistas ocidentais acreditam que, para acobertar as condições hospitalares precárias e a falta de higiene, a Líbia acabou transformando as enfermeiras em bodes expiatórios.
"A justiça foi feita. Essa gente deve ser fuzilada rapidamente", dizia, mesmo assim, Subhy Abdullah, cuja filha de sete anos está entre as mais de 50 crianças que já morreram.
Outros familiares, diz a agência Reuters, acreditam que a infecção foi uma conspiração perversa dos ocidentais para atingir um país muçulmano.
"A sentença em nada mudará a verdade, porque somos inocentes", disse o réu e médico palestino Ashraf Alhajouj.
Quando a infecção foi constatada, o governo líbio pediu à Bulgária uma indenização de R$ 28 milhões por criança. O governo búlgaro rejeitou o que seria uma admissão de culpa.
Em Sófia, o presidente Georgi Parvanov e o primeiro-ministro Serguei Stanishev qualificaram a sentença de "absurda". A ONU, em Genebra, afirmou por meio do setor de direitos humanos que a sentença levanta dúvidas quanto a sua justeza. Em Bruxelas, a União Européia -da qual a Bulgária será membro em janeiro-, segundo o porta-voz Johannes Laitenberger, ficou "chocada".
Em Washington, o porta-voz da Casa Branca, Tony Snow, disse estar "desapontado". A secretária de Estado, Condoleezza Rice, também afirmou seu desapontamento. A sentença foi "deplorada" em Paris pela diplomacia francesa.


Com agências internacionais


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