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Livre do embargo, país muda rápido mesmo sob Gaddafi
Alan Marques - 30.nov.06/Folha Imagem
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Gaddafi está no poder há 37 anos; antes isolado como terrorista, ele virou parceiro do Ocidente |
FLORENCE BEAUGÉ
DO "MONDE"
De mãos postas, ele ostenta
um ligeiro sorriso e, por sobre
os ombros, a tradicional capa
marrom que faz parte de seu
traje característico. À sua esquerda, em caracteres enormes, o número 37 ocupa posição de destaque, e dele parte
uma nuvem de raios luminosos. O painel se repete a cada
300 metros pelas principais
ruas de Trípoli. Há 37 anos,
Muammar Gaddafi preside os
destinos da Líbia. O "Guia", como o chamam aqui, jamais é
questionado em público.
As pessoas se acomodam ao
regime, sem entusiasmo, mas
sem dramas. Ninguém pensa
em desperdiçar a própria vida.
Hoje, na Líbia, as pessoas desejam recuperar o tempo perdido. Com o fim dos 11 anos do
embargo internacional decretado em 1992 contra a Jamhiriya (república socialista árabe)
por apoio ao terrorismo, as conexões aéreas foram restabelecidas, as entregas de equipamento petroleiro autorizadas.
O congelamento dos ativos líbios no exterior foi revogado.
De Estado "renegado", o país se
transformou, desde 2000, em
parceiro do Ocidente.
Lançada em 2003, a abertura
econômica, combinada à suspensão das sanções, está a caminho de transformar a Líbia
em velocidade alucinante. Há
construções em toda parte. As
empresas privadas se multiplicam. "O comércio está nos nossos genes", sorri um jovem que
voltou de Londres e decidiu
permanecer em seu país natal.
Nos bairros elegantes de Trípoli, as lojas de marcas famosas
não param de abrir. Os hotéis
estão lotados, como os restaurantes. "O mundo inteiro pode
ser encontrado aqui. Pessoas
do Oriente Médio, da América
Latina. A competição é feroz. A
Líbia está avançando sem
freios", admira-se Patrick Lebrun, conselheiro econômico
da embaixada francesa. Um sinal dos tempos é que, apesar
dos preços (diária de 250 euros), o Corinthia, único hotel de
luxo de Trípoli, tem seus 300
quartos ocupados o ano inteiro.
Todos dizem que se vive
"muito melhor" na Líbia nos
últimos dois ou três anos, ainda
que o estado deplorável das estradas e do saneamento público cause irritação. O setor de
saúde é que atrai as críticas
mais severas. "Aqueles que dispõem de recursos se internam
na Tunísia", diz o universitário
Aicha. O caso das cinco enfermeiras búlgaros e do médico
palestino está vinculado à indigência dos hospitais líbios.
Se os salários continuam modestos e o desemprego ainda é
alto, o governo se esforça por
manter sua política de redistribuição. Com reservas cambiais
de US$ 40 bilhões, engordadas
pela alta do petróleo, o governo
continua subsidiando produtos
básicos como pão, óleo e arroz.
"Há com certeza escassez e
dificuldades, mas ninguém
morre de fome. O Estado mantém uma forma de socialismo,
enquanto faz o jogo liberal. E
eles dedicam atenção especial
em não abrir demasiado o país
às empresas estrangeiras", indica um economista ocidental.
A partir de 2006, todas as
companhias estrangeiras que
se instalaram no país tiveram
de contratar pelo menos 50%
de funcionários líbios. "Isso
permite que o desemprego seja
enfrentado, e que o pessoal do
país adquira formação profissional. Os anos de embargo foram anos perdidos para as pessoas com idade abaixo dos 35.
Elas não sabem fazer coisa alguma", afirma o economista.
Será que a abertura econômica será acompanhada por uma
abertura política? Poucos acreditam nisso. "Antes, tivemos os
anos de chumbo. Agora, há uma
pequena melhora, mas a natureza do regime, essa não muda", comenta um diplomata europeu. "Em minha opinião, não
chegarão nunca. Jamais pude
votar. Os três filhos do Guia são
apresentados ao país como
imagem da modernização e da
mudança. Isso não me satisfaz.
Em lugar de um Gaddafi, temos
quatro", se queixa Soumia, 35.
Para essa engenheira, a população líbia como um todo
não está preocupada com a
questão. "As pessoas têm memórias dolorosas dos anos de
embargo. Querem só viver melhor. O resto pouco lhes importa. Ao menos por enquanto."
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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