São Paulo, quarta-feira, 20 de dezembro de 2006

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Livre do embargo, país muda rápido mesmo sob Gaddafi

Alan Marques - 30.nov.06/Folha Imagem
Gaddafi está no poder há 37 anos; antes isolado como terrorista, ele virou parceiro do Ocidente


FLORENCE BEAUGÉ
DO "MONDE"

De mãos postas, ele ostenta um ligeiro sorriso e, por sobre os ombros, a tradicional capa marrom que faz parte de seu traje característico. À sua esquerda, em caracteres enormes, o número 37 ocupa posição de destaque, e dele parte uma nuvem de raios luminosos. O painel se repete a cada 300 metros pelas principais ruas de Trípoli. Há 37 anos, Muammar Gaddafi preside os destinos da Líbia. O "Guia", como o chamam aqui, jamais é questionado em público.
As pessoas se acomodam ao regime, sem entusiasmo, mas sem dramas. Ninguém pensa em desperdiçar a própria vida. Hoje, na Líbia, as pessoas desejam recuperar o tempo perdido. Com o fim dos 11 anos do embargo internacional decretado em 1992 contra a Jamhiriya (república socialista árabe) por apoio ao terrorismo, as conexões aéreas foram restabelecidas, as entregas de equipamento petroleiro autorizadas.
O congelamento dos ativos líbios no exterior foi revogado. De Estado "renegado", o país se transformou, desde 2000, em parceiro do Ocidente. Lançada em 2003, a abertura econômica, combinada à suspensão das sanções, está a caminho de transformar a Líbia em velocidade alucinante. Há construções em toda parte. As empresas privadas se multiplicam. "O comércio está nos nossos genes", sorri um jovem que voltou de Londres e decidiu permanecer em seu país natal.
Nos bairros elegantes de Trípoli, as lojas de marcas famosas não param de abrir. Os hotéis estão lotados, como os restaurantes. "O mundo inteiro pode ser encontrado aqui. Pessoas do Oriente Médio, da América Latina. A competição é feroz. A Líbia está avançando sem freios", admira-se Patrick Lebrun, conselheiro econômico da embaixada francesa. Um sinal dos tempos é que, apesar dos preços (diária de 250 euros), o Corinthia, único hotel de luxo de Trípoli, tem seus 300 quartos ocupados o ano inteiro.
Todos dizem que se vive "muito melhor" na Líbia nos últimos dois ou três anos, ainda que o estado deplorável das estradas e do saneamento público cause irritação. O setor de saúde é que atrai as críticas mais severas. "Aqueles que dispõem de recursos se internam na Tunísia", diz o universitário Aicha. O caso das cinco enfermeiras búlgaros e do médico palestino está vinculado à indigência dos hospitais líbios.
Se os salários continuam modestos e o desemprego ainda é alto, o governo se esforça por manter sua política de redistribuição. Com reservas cambiais de US$ 40 bilhões, engordadas pela alta do petróleo, o governo continua subsidiando produtos básicos como pão, óleo e arroz.
"Há com certeza escassez e dificuldades, mas ninguém morre de fome. O Estado mantém uma forma de socialismo, enquanto faz o jogo liberal. E eles dedicam atenção especial em não abrir demasiado o país às empresas estrangeiras", indica um economista ocidental.
A partir de 2006, todas as companhias estrangeiras que se instalaram no país tiveram de contratar pelo menos 50% de funcionários líbios. "Isso permite que o desemprego seja enfrentado, e que o pessoal do país adquira formação profissional. Os anos de embargo foram anos perdidos para as pessoas com idade abaixo dos 35. Elas não sabem fazer coisa alguma", afirma o economista.
Será que a abertura econômica será acompanhada por uma abertura política? Poucos acreditam nisso. "Antes, tivemos os anos de chumbo. Agora, há uma pequena melhora, mas a natureza do regime, essa não muda", comenta um diplomata europeu. "Em minha opinião, não chegarão nunca. Jamais pude votar. Os três filhos do Guia são apresentados ao país como imagem da modernização e da mudança. Isso não me satisfaz.
Em lugar de um Gaddafi, temos quatro", se queixa Soumia, 35. Para essa engenheira, a população líbia como um todo não está preocupada com a questão. "As pessoas têm memórias dolorosas dos anos de embargo. Querem só viver melhor. O resto pouco lhes importa. Ao menos por enquanto."


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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