São Paulo, quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

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TRANSIÇÃO EM CUBA /ASSESSORIA EXTERNA

Ilha pede ajuda para reforma do regime

Ex-premiê da Alemanha Oriental chega a Havana para falar da experiência que viveu, conta cientista político alemão

Hans Modrow faz visita discreta a convite de Fidel, que renunciou na terça; ele prescreverá participação, prevê Hanz Dieterich

FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS

A convite pessoal de Fidel Castro, o último premiê da Alemanha Oriental, Hans Modrow, está nestes dias em Cuba para conversar com funcionários do regime sobre o processo que levou ao fim do comunismo e à reunificação de seu país. A informação foi dada à Folha pelo cientista político alemão radicado no México Heinz Dieterich, em entrevista ontem. "Modrow se encontra neste momento em Cuba, nessas conversas confidenciais. Estou certo de que ele vai dizer que, sem a participação das pessoas, sem reformas, o socialismo histórico não pode sobreviver hoje em dia", diz um dos intelectuais de esquerda mais influentes dentro do debate sobre o "socialismo do século 21". Prestes a completar 80 anos, Modrow foi premiê entre dezembro de 1989 e março de 1990, no período logo após a queda do Muro de Berlim, que levou ao fim do sistema comunista no Leste e à unificação alemã. Em Cuba, conversou com um repórter do jornal alemão "Berliner Kurier": "É a mesma atmosfera que vivemos em 1989", afirmou. A publicação alemã, que não informou sobre o convite pessoal do ditador, relata que Modrow esteve com o presidente do Parlamento cubano, Ricardo Alarcón, e com o ministro da Economia, José Luis Rodríguez. "Os dois perguntaram: "Como vocês fizeram em 1989'? Dê liberdade de viagem, permita reformas na agricultura e em pequenos comércios. Exatamente o que está acontecendo agora nós já experimentamos, já vivenciamos", disse o ex-premiê comunista. Para Dieterich, que conversou com Modrow na semana passada, o ex-premiê deverá aconselhar Fidel a evitar a centralização do sistema político. Professor da Universidade Autônoma Metropolitana (UAM), na Cidade do México, Dieterich está radicado na América Latina desde os anos 1970 e tem influência em círculos de esquerda da região. Antes considerado próximo do presidente Hugo Chávez, tem feito duras críticas ao governo venezuelano. Leia trechos da entrevista, feita por telefone:

 

FOLHA - O que significa para o regime cubano o anúncio de Fidel?
HEINZ DIETERICH -
Foi uma decisão previsível que apenas formaliza uma situação de fato de 19 meses, em que o governo real era de Raúl Castro. Em segundo lugar, acredito que haverá uma maior abertura da economia em direção ao modelo chinês. Em terceiro lugar, haverá uma liberação no campo dos direitos civis. Por exemplo, a proibição de que cubanos se hospedem em hotéis para turistas e outras coisas desse tipo. Na política, acredito que o sistema atual será conservado nos próximos anos.

FOLHA - E em relação à liberdade política?
DIETERICH -
A leitura da liderança cubana sobre o colapso do socialismo na Europa é que a tentativa de transformar, ao mesmo tempo, os sistemas político e econômico, levou à derrocada desse sistema. Portanto, é muito mais razoável -na leitura cubana- seguir o modelo chinês: abrir a economia e posteriormente liberalizar também o sistema político. Eu lhe dou uma informação exclusiva: o último presidente da Alemanha socialista, Hans Modrow, foi convidado pela direção cubana para discutir com eles durante dez dias suas experiências no colapso da Alemanha Oriental e da União Soviética, porque ele foi o presidente que negociou a anexação da Alemanha socialista à Ocidental com [o ex-líder soviético Mikhail] Gorbatchov, com o presidente [George] Bush pai e [o presidente francês, François] Mitterrand. Então, essa experiência de um líder socialista da Alemanha Oriental e de um homem de Estado que administrou a transição vale ouro. Ele foi convidado por uma carta pessoal de Fidel.

FOLHA - O que Modrow deve dizer aos cubanos?
DIETERICH -
Eu o entrevistei há cinco semanas. Eu lhe perguntei sobre as causas do colapso da Alemanha Oriental. Ele disse que o problema principal foi a centralização do poder político, que impedia que qualquer reforma desde baixo pudesse ser realizada. Houve outros aspectos, como a Guerra Fria, mas, em termos internos, a causa principal foi a extrema verticalização do sistema.
Ele se encontra neste momento em Cuba, nestas conversas confidenciais. Estou seguro de que ele vai dizer isto: sem a participação das pessoas, sem reformas, o socialismo histórico não pode sobreviver hoje.

FOLHA - Muitos estimam que a Venezuela de Chávez atravessará um ano difícil. Há um temor em Cuba de que a ajuda venezuelana possa terminar abruptamente, como ocorreu no final da União Soviética?
DIETERICH -
Sim, efetivamente. O próprio Fidel expressou esse temor antes do referendo de dezembro. Ele disse que, se por algum motivo, Chávez tiver de deixar o governo na Venezuela, viriam tempos muito difíceis para muitos povos, entre os quais Cuba.
Agora, podemos formular assim: Cuba adota o modelo de desenvolvimento chinês e se baseia em dois sócios estratégicos, Venezuela e China. Então, Washington tem de cortar uma dessas duas artérias. A China é demasiado poderosa, mas, se conseguem desestabilizar Chávez ou debilitá-lo, isso seria uma via para fazer com que Cuba enfrente nova crise econômica por causa da energia.

FOLHA - Nesse cenário, onde está o Brasil?
DIETERICH -
Há um interesse mútuo entre Brasil e Cuba. Benito Juárez dizia, há 150 anos, que Cuba era a primeira linha de defesa da América Latina. E isso vale para o projeto de Lula, que é converter o Brasil em potência mundial. Para ser potência mundial, o Brasil precisa do apoio dos demais países latino-americanos. Cuba é importante, em primeiro lugar, por sua posição geoestratégica e militar no Caribe. Para que o Brasil tenha certa proteção nessa zona, é essencial que continuem existindo esses governos progressistas, pró-integração latino-americana.

FOLHA - Além de Raúl, quais serão os outros nomes importantes na política cubana?
DIETERICH -
Evidentemente, o presidente será Raúl. Mas acredito que será fortalecido o papel do [vice-presidente] Carlos Lage, praticamente o operador do aparato estatal. É importante, obviamente, o jovem chanceler Felipe Pérez Roque. Um terceiro nome é o atual secretário pessoal [de Fidel], Carlos Valenciaga, mas com menos possibilidades. E, como agora, o peso do processo cubano estará no desenvolvimento da economia, é possível que o ministro da Economia, José Luis Rodríguez, favorável a uma maior incorporação de elementos chinesas, adquira maior peso.


NA INTERNET - A íntegra da entrevista em www.folha.com.br/080511


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