São Paulo, quinta-feira, 21 de abril de 2005

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AMÉRICA LATINA

Após ser destituído da Presidência do Equador, Lucio Gutiérrez abriga-se com diplomacia brasileira e espera remoção

Deposto, equatoriano pede asilo ao Brasil

Guilhermo Granja/Reuters
Manifestante escala balcão do palácio de Carondelet, em Quito, após a queda de Lucio Gutiérrez


DA REDAÇÃO

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Em meio à escalada de protestos contra o governo, ontem o Congresso do Equador destituiu da Presidência Lucio Gutiérrez, que pediu asilo ao Brasil. O vice-presidente, Alfredo Palacio, adversário de Gutiérrez, assumiu o Poder Executivo.
Brasília concedeu asilo diplomático a Lucio Gutiérrez, que ontem se refugiou na residência da embaixada brasileira em Quito, aguardando garantias para se locomover até o aeroporto e embarcar para Brasília. As fronteiras do Equador foram fechadas.
Logo após a destituição, a procuradora-geral do Equador, Cyntia Viteri, havia ordenado a prisão de Gutiérrez, por ter ordenado à polícia reprimir as manifestações dos últimos dias, que levaram à morte de duas pessoas.
Uma sessão extraordinária do Congresso unicameral do Equador demorou menos de uma hora para destituir o presidente por 60 votos a favor. Estavam presentes 62 parlamentares, de um total de cem - os ausentes eram governistas. O deputado Ramiro Rivera, que propôs a moção, disse que o Congresso considerou o não cumprimento das responsabilidades de presidente por Gutiérrez como abandono do cargo, conforme cláusula constitucional.
A medida evita um processo de impeachment e é similar à que foi usada para destituir o ex-presidente Abdalá Bucaram, em 1997, por "incapacidade mental".
As Forças Armadas, consideradas o fiel da balança no país, acataram imediatamente a decisão do Congresso e retiraram seu apoio ao presidente destituído.
Centenas de soldados que haviam feito um cordão de isolamento ao redor do palácio presidencial deixaram seus postos e desmantelaram todo o aparato.
"Nós fomos obrigados a retirar o apoio ao presidente para preservar a segurança pública", disse o almirante Victor Hugo Rosero, chefe das Forças Armadas.
Gutiérrez dissera que não deixaria o cargo, cujo mandato se encerra em 2007. "Não há a menor possibilidade. Fui eleito para quatro anos", afirmou em entrevista à agência Associated Press.
Porém, após a destituição, ao redor das 14h32 (horário local), o presidente teria deixado em um pequeno helicóptero do Exército, junto com a sua mulher, o palácio de Carondelet, sede do governo.
A OEA (Organização dos Estados Americanos) convocou para hoje uma reunião extraordinária para analisar a situação do país.
Na sexta-feira passada, Gutiérrez dissolveu a Suprema Corte para tentar reduzir os protestos contra o seu governo, que nomeou aliados para cargos de juízes em dezembro do ano passado. A sua decisão foi vista como uma violação à Constituição.
Cerca de 10 mil pessoas comemoraram a saída de Gutiérrez em Quito. De madrugada, a polícia reprimira duramente os manifestantes diante da sede do governo, usando bombas de gás lacrimogêneo. Uma das vítimas morreu atropelada; outra, do coração.
A queda do presidente não foi suficiente para apaziguar os quitenhos. Horas depois do anúncio, a multidão começou a caminhar para a sede do Centro Internacional de Estudos Superiores de Comunicação para a América Latina, no norte de Quito, onde se reunia o Congresso extraordinariamente, para exigir também a saída dos parlamentares.
"Queremos que os deputados renunciem aos seus cargos e propomos a instalação de uma assembléia nacional popular que reconstitua os organismos de Estado no marco da Constituição", disse o presidente da Associação de Professores da Universidade Salesiana, Patricio Castro. Os manifestantes pedem eleições presidenciais o mais rápido possível.
A multidão exigia que Palacio saísse do prédio para escutá-los, o que aconteceu por volta das 17h. Gutiérrez é o terceiro presidente forçado a deixar o poder em meio a levantes populares desde 1997, quando Bucaram foi destituído. Em 2000, Gutiérrez participou de operação que culminou na queda do então presidente, Jamil Mahuad. Gutiérrez chegou a ficar meses preso por liderar o golpe.
Dois anos mais tarde, foi foi eleito presidente do Equador com apoio dos indígenas, prometendo mudanças no país, que, há séculos, é dominado por uma elite de origem européia. Porém, perdeu apoio ao transitar para a direita e implementar uma política econômica austera.

Trâmites
O pedido de asilo segue duas etapas. A primeira, o "asilo diplomático", é o direito de ficar nos domínios da embaixada brasileira, que tem status de extensão do território nacional em outro país. A segunda é o "asilo territorial", que depende da aprovação do Ministério da Justiça. O ministro Celso Amorim (Relações Exteriores) já consultou Márcio Thomaz Bastos (Justiça), que autorizou a concessão do asilo.
Segundo a embaixada brasileira, Gutiérrez pediu asilo alegando sentir que sua integridade física estava "ameaçada diante dos últimos acontecimentos".
"O governo brasileiro está estudando o pedido e tomando as providências cabíveis para sua concessão", disse à Folha José Fiúza Neto, ministro-conselheiro da embaixada. Não havia previsão de quanto tempo os trâmites levariam, mas, segundo Fiúza, até a concessão, Gutiérrez deve ficar na residência da embaixada. "A concessão de asilo é uma tradição na região", afirmou.
Com o pedido de asilo ao Brasil, Gutiérrez segue o exemplo de outros líderes sul-americanos, como os paraguaios Alfredo Stroessner, que ainda mora no Brasil, Raúl Cubas Grau, e Lino Oviedo.

Colaboraram Eliane Cantanhêde, Bruno Fiuza, de Quito, e Luciana Coelho; com agências internacionais

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