São Paulo, quinta-feira, 21 de abril de 2005

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Destituição de Gutiérrez pelo Congresso foi ilegal, diz analista

CAROLINA VILA-NOVA
DA REDAÇÃO

O processo político que culminou ontem com a destituição do presidente do Equador, Lucio Gutiérrez, é totalmente ilegal, e a assunção de Alfredo Palacio ao seu lugar representa apenas um simulacro de sucessão constitucional.
A avaliação é do professor de ciência política da Universidade San Francisco de Quito, Fernando Bustamante. A seguir, trechos da entrevista que deu à Folha ontem, por telefone.

 

Folha - O processo que culminou com a queda do presidente Lucio Gutiérrez ocorreu conforme os preceitos constitucionais?
Fernando Bustamante -
Definitivamente não. O que se fez foi absolutamente ilegal e inconstitucional. Foi ridículo. O Congresso não tem atribuições para destituir um presidente dessa maneira, tem de haver um julgamento político, não pode ser feito por maioria simples, as causas invocadas foram absolutamente grotescas e se fez numa sessão totalmente irregular, sem o devido processo.
Dito isso, o presidente também estava totalmente fora da lei. Não existe estado de direito, é tudo "de facto". Como era também "de facto" o que se estava fazendo do outro lado [Gutiérrez]. O que acontece é que, como não há estado de direito, tudo vale. O que destituiu Gutiérrez não foi a decisão do Congresso, que foi patética, senão simplesmente o fato de o comando militar ter retirado seu apoio, e a multidão nas ruas.

Folha - Como o sr. vê o cenário político de agora em diante?
Bustamante -
É um cenário muito complexo. O vice-presidente [Alfredo Palacio] neste momento está assumindo o poder. Vamos ver se consegue firmar seu comando e quanto apoio tem das Forças Armadas. Teoricamente ele tem, mas os militares ainda não foram muito claros a respeito.
E realmente as pessoas que foram às ruas arriscar suas vidas não o fizeram para que ele assumisse o poder com o respaldo de partidos políticos que eram de oposição a Gutiérrez e que agora são do governo. As pessoas estão contra a elite política em seu conjunto, que é vista como horrivelmente inepta e corrupta. Todos, Gutiérrez e seus inimigos. O que há é um sentimento antipolítico. E a única coisa que Palacio representa é um simulacro de sucessão constitucional, dado que, como vice-presidente, é apresentável como uma figura democrática.

Folha - Que papel têm as Forças Armadas nessa crise?
Bustamante -
Elas são o árbitro. Gutiérrez caiu quando o comando militar retirou seu apoio, foi automático. Portanto qualquer saída política terá de contar com a vontade deles.

Folha - Há a possibilidade real de ocorrer um golpe militar?
Bustamante -
De alguma maneira, o que acaba de ocorrer é um golpe. Mas eles [os militares] deixam a impressão de que o poder ficou nas mãos de um civil independente que conta com o apoio de alguns partidos políticos.

Folha - Que diferença há entre esta crise e as anteriores no Equador?
Bustamante -
A diferença é que as pessoas na ruas talvez não tenham sido conduzidas nem dirigidas por partidos políticos. Foi uma autoconvocatória cidadã, que surgiu de maneira espontânea, fora dos partidos. A queda de [Gustavo] Noboa teve um componente econômico claro, a de [Abdalá] Bucarám não, e esta tampouco. A economia está bem. É por razões estritamente políticas: a inconstitucionalidade, a luta entre caudilhos políticos que vêm controlando o Estado atropelando as leis e a sensação das pessoas de que estão nas mãos de uma elite política extremadamente corrupta. Há uma sensação de asco cidadão.

Folha - Quais são as perspectivas de uma solução institucional para a crise?
Bustamante -
Uma possibilidade é que o vice-presidente, como tem uma aparente legitimidade democrática, consolide seu poder. Mas agora tudo está aberto, se fala de convocar eleições rapidamente, de uma assembléia constituinte, neste momento tudo está no ar. O que as pessoas querem é, pelo menos, eleições já.


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