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Destituição de Gutiérrez pelo Congresso foi ilegal, diz analista
CAROLINA VILA-NOVA
DA REDAÇÃO
O processo político que culminou ontem com a destituição do
presidente do Equador, Lucio Gutiérrez, é totalmente ilegal, e a assunção de Alfredo Palacio ao seu
lugar representa apenas um simulacro de sucessão constitucional.
A avaliação é do professor de
ciência política da Universidade
San Francisco de Quito, Fernando
Bustamante. A seguir, trechos da
entrevista que deu à Folha ontem,
por telefone.
Folha - O processo que culminou
com a queda do presidente Lucio
Gutiérrez ocorreu conforme os preceitos constitucionais?
Fernando Bustamante - Definitivamente não. O que se fez foi absolutamente ilegal e inconstitucional. Foi ridículo. O Congresso
não tem atribuições para destituir
um presidente dessa maneira,
tem de haver um julgamento político, não pode ser feito por maioria simples, as causas invocadas
foram absolutamente grotescas e
se fez numa sessão totalmente irregular, sem o devido processo.
Dito isso, o presidente também
estava totalmente fora da lei. Não
existe estado de direito, é tudo "de
facto". Como era também "de facto" o que se estava fazendo do outro lado [Gutiérrez]. O que acontece é que, como não há estado de
direito, tudo vale. O que destituiu
Gutiérrez não foi a decisão do
Congresso, que foi patética, senão
simplesmente o fato de o comando militar ter retirado seu apoio, e
a multidão nas ruas.
Folha - Como o sr. vê o cenário político de agora em diante?
Bustamante - É um cenário muito complexo. O vice-presidente
[Alfredo Palacio] neste momento
está assumindo o poder. Vamos
ver se consegue firmar seu comando e quanto apoio tem das
Forças Armadas. Teoricamente
ele tem, mas os militares ainda
não foram muito claros a respeito.
E realmente as pessoas que foram às ruas arriscar suas vidas
não o fizeram para que ele assumisse o poder com o respaldo de
partidos políticos que eram de
oposição a Gutiérrez e que agora
são do governo. As pessoas estão
contra a elite política em seu conjunto, que é vista como horrivelmente inepta e corrupta. Todos,
Gutiérrez e seus inimigos. O que
há é um sentimento antipolítico.
E a única coisa que Palacio representa é um simulacro de sucessão
constitucional, dado que, como
vice-presidente, é apresentável
como uma figura democrática.
Folha - Que papel têm as Forças
Armadas nessa crise?
Bustamante - Elas são o árbitro.
Gutiérrez caiu quando o comando militar retirou seu apoio, foi
automático. Portanto qualquer
saída política terá de contar com a
vontade deles.
Folha - Há a possibilidade real de
ocorrer um golpe militar?
Bustamante - De alguma maneira, o que acaba de ocorrer é um
golpe. Mas eles [os militares] deixam a impressão de que o poder
ficou nas mãos de um civil independente que conta com o apoio
de alguns partidos políticos.
Folha - Que diferença há entre esta crise e as anteriores no Equador?
Bustamante - A diferença é que
as pessoas na ruas talvez não tenham sido conduzidas nem dirigidas por partidos políticos. Foi
uma autoconvocatória cidadã,
que surgiu de maneira espontânea, fora dos partidos. A queda de
[Gustavo] Noboa teve um componente econômico claro, a de
[Abdalá] Bucarám não, e esta
tampouco. A economia está bem.
É por razões estritamente políticas: a inconstitucionalidade, a luta
entre caudilhos políticos que vêm
controlando o Estado atropelando as leis e a sensação das pessoas
de que estão nas mãos de uma elite política extremadamente corrupta. Há uma sensação de asco
cidadão.
Folha - Quais são as perspectivas
de uma solução institucional para a
crise?
Bustamante - Uma possibilidade
é que o vice-presidente, como tem
uma aparente legitimidade democrática, consolide seu poder.
Mas agora tudo está aberto, se fala
de convocar eleições rapidamente, de uma assembléia constituinte, neste momento tudo está no
ar. O que as pessoas querem é, pelo menos, eleições já.
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