São Paulo, quinta-feira, 21 de abril de 2005

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O NOVO PAPA

Esquerda da igreja no Brasil se frustra

Religiosos identificados com a Teologia da Libertação temem interrupção do diálogo entre religiões e retrocesso em questões sociais

FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL

A eleição do cardeal Joseph Ratzinger foi recebida com indisfarçada frustração por religiosos brasileiros identificados com a Teologia da Libertação. A julgar pelos comentários, contudo, não acreditavam mesmo na escolha de um pontífice que revigorasse o espírito de Medellín, que definiu a opção prioritária pelos pobres. O que temem, principalmente, é a interrupção do diálogo inter-religioso, o fechamento da Igreja Católica para os avanços da ciência e maior retrocesso no tratamento de questões sensíveis, como o dogmatismo da moral sexual.
Há sinais de fragilidade nesse movimento mais voltado para os desassistidos, ainda que lideranças como o irmão marista Antonio Cechin, 77, que se dedica a acompanhar catadores de papel na periferia de Porto Alegre, afirmem que "sua igreja" continuará atuante, mesmo distante da igreja maior. "O novo pontificado será mais conservador e mais fechado. Mas o projeto das Comunidades Eclesiais de Base continuará firme", diz Cechin. Ele mesmo reconhece que diminuiu o número de padres e irmãs morando em comunidades pobres da região. E atribui o assassinato da irmã Dorothy Stang à falta de retaguarda da chamada igreja progressista.
"Eu temo muito pelo retrocesso no diálogo ecumênico e inter-religioso", diz o padre Benedito Ferraro, da pastoral de Campinas. Ele se baseia na carta "Dominus Iesus", em que Ratzinger sustenta que a Igreja Católica é a única.
O irmão Marcelo Barros, que foi censurado por criticar essa epístola (fez trocadilho, afirmando que o cardeal Ratzinger queria "dominar Jesus"), sofreu restrições no período de João Paulo 2º, acusado de sincretismo e por acreditar que a missão da igreja é a comunhão de todas as culturas.
O beneditino tem esperança de que o novo papa -por não ser a figura carismática do papa anterior- "seja apenas o bispo de Roma", respeitando as igrejas locais. Mas o rigor exercido por Ratzinger nas questões de fé não permitiriam imaginar um estímulo à prática do irmão Barros, que desafiou a linha dura da Cúria do Vaticano ao se inserir na religião afro-brasileira. "Eu acredito nesse ecumenismo", diz ele.
Para o padre redentorista Márcio Fabri, 61, a eleição revela uma continuidade e reflete também "o desejo de não se repetir um pontificado muito longo". "Mostra uma disposição da igreja de continuar com um discurso forte para a sociedade, com solidez e grande articulação da doutrina", diz. A expectativa de Fabri é que Ratzinger "perceba pontos mencionados por dom Cláudio Hummes, como o maior diálogo com a ciência e as mudanças na sociedade".
A longa lista de punições, restrições e advertências que marcaram a passagem do cardeal Ratzinger como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé não alimentaria a expectativa de uma maior abertura da igreja.
O pontificado de João Paulo 2º deixou marcas profundas entre os progressistas no país. O franciscano Leonardo Boff foi proibido, por duas vezes, de emitir opiniões e de publicar suas idéias. A punição alcançou amigos de Boff, afastados da cátedra de teologia.
Ivone Gebara, uma teóloga que defendeu a descriminalização do aborto, foi punida com o "silêncio obsequioso" e teve de sair do país. D. Pedro Casaldáliga foi instado a abandonar São Félix do Araguaia (MT), para não constranger o sucessor. Mesmo esperando que Bento 16 reconduza a igreja "à sua secularidade", o irmão Barros prevê que "ele será o continuador, no sentido institucional, de uma igreja que é moralista, medieval, que num certo limite desconfia da ciência e não dialoga com a sociedade".


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