São Paulo, domingo, 21 de maio de 2006

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ARTIGO

O governo Bush não tem do que se envergonhar. O único escândalo é algumas pessoas serem favoráveis ao nosso desarmamento unilateral na luta contra os homens-bomba

Esqueçam a privacidade, precisamos espionar mais

MAX BOOT

PRATICAMENTE TODO o mundo concorda que nossa capacidade de espionagem humana desapareceu. As chances de que um agente da CIA estará na mesma caverna que Osama bin Laden no momento em que for tramada a conspiração do próximo 11 de Setembro são minúsculas ou inexistentes. E não é muito maior a probabilidade de que a segurança em nossa fronteira porosa ou em nossos transportes será capaz de barrar a passagem da próxima gangue de assassinos islâmicos. É simplesmente impossível proteger todos os alvos convidativos num país com dimensões continentais e população de quase 300 milhões de habitantes. Quando o assunto é a guerra contra o terror, a maior vantagem de que dispomos é nossa maestria eletrônica. A Agência de Segurança Nacional (NSA) tem sua parcela de problemas, mas há muito tempo é a melhor que existe quando se trata de interceptar e decifrar comunicações inimigas. Ou era, até agora. Se os agitadores das liberdades civis, os políticos com discursos grandiosos e os editorialistas farisaicos de jornais nacionais conseguirem seu intento, teremos que abrir mão de nossa linha de defesa mais potente, em função de preocupações em grande medida hipotéticas sobre violações de privacidade. Críticos diversos estão fazendo uma pausa nas críticas à administração Bush por fazer muito pouco para proteger a pátria, e agora a estão repreendendo por fazer demais. Como a NSA ousou receber registros telefônicos da AT&T, BellSouth e Verizon sem autorização judicial? Embora os registros fossem anônimos e não incluíssem o teor de qualquer telefonema (sendo que a Verizon e a BellSouth agora negam ter oferecido qualquer informação à agência), os histéricos superpreocupados já dizem que o fascismo se abateu sobre nós.

Heroína
A Qwest seria a heroína desse drama por ter, nas palavras do "USA Today", "tido a integridade de resistir à pressão governamental". É um elogio que não costuma ser feito com freqüência a uma empresa acusada de fraude e cujo ex-executivo-chefe é alvo de 42 acusações de negociar ações com a ajuda de informações privilegiadas. Quem sabe a Qwest não devesse comemorar o feito, lançando uma campanha publicitária em que se anunciaria como a empresa de telecomunicações favorita da Al Qaeda. Essa preocupação toda com a privacidade seria comovente, se não fosse tão seletiva. Bastam alguns toques num teclado para o Google expor qualquer coisa que já tiver sido escrita na internet por ou sobre você. Alguns toques adicionais provavelmente trarão à tona sua data de nascimento, seu endereço, telefone e todos os lugares onde já morou, além de fotos tiradas via satélite das casas onde viveu, quanto pagou por elas, quaisquer ações judiciais nas quais você já tenha se envolvido, e muito, muito mais. Será preciso só um pouco mais de trabalho para obter toda sua história de crédito e seu número de Seguridade Social. Ou detalhes sobre seus hábitos em termos de compras, viagens e navegação na internet.

Marketing
Informações desse tipo são rotineiramente colhidas e vendidas por um número enorme de empresas de marketing. Portanto, violar sua privacidade para lhe vender alguma coisa é OK, mas não para proteger você contra a possibilidade de explodir num atentado. Até onde os absolutistas das liberdades civis querem levar sua lógica? Será que os soldados no Afeganistão e no Iraque terão que começar a ler os avisos de praxe previstos na lei americana aos suspeitos capturados e pedir autorização judicial antes de fazer revistas em esconderijos de terroristas? Ou será que civilidades desse tipo deixam de existir para além de nossas fronteiras, proporcionando à Al Qaeda e a outras agremiações de sua laia a liberdade de operar sem restrições só no interior dos EUA? Boa parte dessa tolice toda pode ter se originado na Lei de Vigilância e Inteligência Externa (FISA), de 1978, que, pela primeira vez, previu que nossos espiões fossem supervisionados por juízes. Foi uma reação compreensível a abusos como o grampeamento pelo FBI do reverendo Martin Luther King. Mas a FISA é um luxo de que não podemos mais desfrutar. Não fosse pelos critérios de "causa provável" exigidos pela lei, o FBI poderia ter examinado o laptop de Zacarias Moussaoui em agosto de 2001 e possivelmente salvo 3.000 vidas.

Lei Patriótica
A Lei Patriótica revogou alguns dos dispositivos da FISA, como a "barreira" erguida entre agentes de inteligência e policiais, mas um número suficiente permanece intacto para levantar dúvidas desnecessárias quanto à legalidade de algumas medidas de segurança nacional muito necessárias. Essa lei arcaica precisa ser submetida a eutanásia. Ela deve ser substituída por uma legislação que autorize o presidente a ordenar qualquer vigilância vista como necessária, sujeita a apenas uma condição: se, mais tarde, for determinado que uma operação de coleta de inteligência não foi ordenada para finalidades legítimas de segurança nacional, então os culpados seriam punidos com longas penas de prisão. Levando em conta que nossa burocracia de inteligência sofre mais vazamentos do que um navio em processo de afundamento, é seguro apostar que qualquer ação incorreta viraria notícia de primeira página em menos tempo do que se leva para dizer "Prêmio Pulitzer". Até agora não houve nenhuma sugestão de que a NSA fez qualquer coisa por motivos desonestos. A administração não tem nada do que se envergonhar. O único escândalo aqui é o fato de algumas pessoas serem favoráveis ao desarmamento unilateral em nossa luta contra os homens-bomba.


MAX BOOT é membro sênior do Conselho de Relações Exteriores. Este artigo foi publicado originalmente no "Los Angeles Times"

Tradução de CLARA ALLAIN


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