São Paulo, sábado, 21 de junho de 2008

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Rica em gás, Tarija vota por autonomia na Bolívia

Departamento é o último, de quatro, a realizar consulta amanhã, em desafio a Morales

Países amigos, entre os quais o Brasil, admitem que tentativa de diálogo falhou, e país já discute validade dos referendos sobre mandatos

DA REDAÇÃO

O departamento boliviano de Tarija, que concentra 85% da produção de gás do país, faz amanhã seu referendo por autonomia, em desafio ao governo Evo Morales. O principal tema da crise política do país, no entanto, já são as dúvidas em torno da realização do referendo revogatório dos mandatos de presidente, vice e governadores, marcado para agosto.
Tarija -como já fizeram os departamentos de Santa Cruz, Pando e Beni- buscará aprovação nas urnas para uma espécie de Constituição regional que lhe da mais poderes administrativos. Como aconteceu nas outras consultas, espera-se amplo apoio à proposta.
Nem o governo nem as autoridades eleitorais do país reconhecem os referendos.
Tarija, que responde por 13% do PIB boliviano, sedia os megacampos de gás explorados por Petrobras e Repsol que abastecem Brasil e Argentina.
Anteontem, o governador do departamento, Mario Cossío, ameaçou reter no departamento parte dos impostos gerados pela exploração do gás. "Ninguém se atreverá a tocar em um só centavo que é deste departamento", disse Cossío, apesar de o sistema de arrecadação ser centralizado e ser pouco provável o rompimento administrativo com La Paz.
A proposta de levar adiante os estatutos autonômicos é a resposta dos governadores oposicionistas à Constituição aprovada em dezembro de 2007 pelas forças governistas. A Carta, que ainda precisa passar por referendo, não foi reconhecida pela oposição. Esse impasse está no cerne da crise.
Nas últimas semanas, o governo acenou com a possibilidade de compatibilizar as propostas autonômicas com a Constituição -o texto tem artigos indigestos para a oposição, como limite ao tamanho de latifúndio e veto a transgênicos.
O quarteto de governadores autonomistas e o principal partido da oposição, o Podemos, recusaram-se a negociar. Uma das exigências para dialogar é a reversão da redução dos repasses de um imposto sobre gás aos departamentos -e neste ponto é Morales que não cede.
Até o Grupo de Países Amigos da Bolívia -formado, a pedido de La Paz, por Brasil, Argentina e Colômbia-, admitiu na semana passada que os esforços para o diálogo não estavam funcionando.

Mandatos à prova
Nesse cenário de paralisia, a principal discussão já é sobre o referendo revogatório dos mandatos do presidente e dos governadores, marcado para 10 de agosto. Há dúvidas sobre sua realização e sobre a eficácia da consulta para minorar a crise.
Proposta original do Executivo para pressionar os governadores a negociar, o referendo foi ressuscitado pelo Senado oposicionista. O governo topou o desafio e fixou data.
Pelas regras, todos perdem os cargos se o "não" a seus mandatos superar a porcentagem e o número absoluto de votos que obtiveram quando foram eleitos. Só Morales e o governador oposicionista de Santa Cruz, Rubén Costas, estariam assegurados em seus postos, segundo pesquisas recentes.
Há insistentes rumores de que o governo conversaria com oposicionistas para frear a consulta -com apoio de vários governadores. La Paz nega. Mas, nos bastidores, todos admitem que "não sabem como recuar da proposta", conta o relatório sobre a crise lançado pelo centro International Crisis Group.
O motivo é simples: governo e regiões sabem que uma vitória total sobre o adversário é improvável e que o impasse de fundo seguirá. Há um problema adicional: as consultas aconteceriam quando o principal tribunal do país está paralisado por falta de membros e quando há desconfiança de parte a parte sobre as autoridades eleitorais nacional e regionais. Ingredientes suficientes para agravar a crise. (FLÁVIA MARREIRO)


Com agências internacionais



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