São Paulo, domingo, 21 de julho de 2002

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Escritor se sente mais velho que seu próprio país

EM MOÇAMBIQUE

Mia Couto, ou António Emílio Leite Couto, 47, uma das vozes mais originais da literatura de expressão portuguesa contemporânea, é também biólogo formado. Moçambicano filho de portugueses, vive em Maputo. É autor de, entre outros, "Cada Homem é Uma Raça" (1990) e "A Varanda do Frangipani" (1996). Militante da Frelimo desde a sua fundação, ele se diz afastado do partido antes marxista. Em seu escritório, Mia falou com a Folha sobre política e literatura. "Aqui, o nascimento de uma literatura nacional é contemporâneo do nascimento da própria nacionalidade. Eu sou mais velho que o meu país."

Militância
A militância foi vivida de uma maneira muito empolgante. Nós estávamos fazendo uma coisa ética, ajudando a criar uma nação. Hoje eu tenho uma relação crítica com essa militância. Mas não posso deitar essa parte da vida fora; se não, fica um vazio. Estou disponível para a defesa de certas coisas, mas tenho que passar pelo crivo da minha consciência de hoje.

Escrever em Moçambique
Em Moçambique, tu logo aprendes que ser escritor é uma coisa pequena. Os escritores pensam sempre que o mundo depende do que eles estão fazendo. Aqui tu aprendes que não, porque o universo dos que lêem é tão pequeno, o livro circula tão pouco que é uma espécie de aprendizagem de humildade, que faz bem.

Graciliano e Amado
Quando tomei consciência dessa contaminação pela literatura brasileira, eu já estava "doente", no sentido bom. Havia uma certa redescoberta com Graciliano, com Jorge Amado, de que, afinal, a língua pode ser outra coisa, trabalhada de outra maneira. Também as temáticas políticas, no caso particular de Jorge Amado, eram coisas que coincidiam. O ambiente literário de Moçambique estava muito mais ligado ao do Brasil do que ao de Portugal.

Luandino e Guimarães Rosa
Tenho que falar também de Luandino Vieira, o escritor angolano, que marcou-me muito. E ele confessa que foi autorizado, também ele, por um outro, um tal João Guimarães Rosa, que eu não conhecia. Um amigo meu trouxe as "Terceiras Histórias". E de fato foi uma paixão. Foi de novo alguém que dizia "isto pode-se fazer literariamente".
Branco em terra de negro
No cotidiano, não me sinto discriminado. De vez em quando, sim, por razões de certo oportunismo, quando a porta é estreita e só dá para passar um. Aí lembram que eu sou branco e talvez não seja tão representativo. O modelo americano de ação afirmativa não é uma política oficial, como na África do Sul, mas é usado como argumento quando preciso. Mas em literatura não tem sentido falar em raças. Como escritor, me sinto mulato do ponto de vista cultural.



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