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São Paulo, segunda-feira, 21 de julho de 2003

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REINO UNIDO

TV admite que cientista morto era maior fonte de reportagem polêmica sobre Iraque; premiê diz que deporá em inquérito

Kelly era fonte, diz BBC; Blair nega renúncia

MARIA LUIZA ABBOTT
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DE LONDRES

A rede pública de rádio e TV britânica BBC confirmou ontem que o cientista David Kelly, 59, encontrado morto na sexta, com indícios de suicídio, era a principal fonte de uma polêmica reportagem que acusou o governo do premiê Tony Blair de ter exagerado informações dos serviços de inteligência em dossiê para justificar a invasão do Iraque.
Blair, em viagem pela Ásia, disse que não pretende renunciar por causa da morte do especialista em armas do Ministério da Defesa ou convocar sessão especial do Parlamento, em recesso. Em entrevista à TV Sky News, rival da BBC, o premiê disse que ele e integrantes do primeiro escalão do governo vão prestar depoimento no inquérito judicial sobre o caso.
Por meio de porta-voz, declarou: "Apesar das diferenças, ninguém queria que essa tragédia acontecesse. Sei que todos, inclusive a BBC, ficaram chocados".
Em Londres, o diretor de jornalismo da BBC, Richard Sambrook, disse que Kelly era a principal fonte da reportagem e que a empresa acreditava ter interpretado e comunicado de forma correta as informações do cientista. Na semana passada, em depoimento ao comitê parlamentar que investiga o caso, Kelly confirmou ter conversado com Andrew Gilligan, autor da reportagem, mas negou ter sido sua fonte principal.
O cientista disse que não acreditava que a conversa tivesse levado à interpretação feita pelo repórter. Ontem, Gilligan divulgou uma nota em que assegura não ter interpretado ou citado de forma errada as palavras de Kelly.
Para políticos e analistas que debateram o caso o dia todo ontem nas TVs, a controvérsia põe em dúvida a credibilidade da BBC.
Mas Blair, que já vinha perdendo apoio popular e político por causa do caso, também está sob ataque, pela suspeita de que a "caça às bruxas" para encontrar a fonte da reportagem teria contribuído para levar Kelly, tido como bastante reservado, ao suicídio.
O parlamentar conservador (oposição) Robert Jackson, eleito pelo distrito onde morava o cientista, pediu a cabeça do presidente da BBC, Gavyn Davies, e acusou Gilligan de ter inventado parte substancial da reportagem.
Segundo Jackson, Kelly morreu sem saber que era a fonte da reportagem. Para ele, se a rede tivesse confirmado isso antes, o cientista ainda estaria vivo. O presidente do comitê de mídia do Parlamento, Gerald Kaufman, disse que o episódio levanta "sérias questões" sobre a BBC e defendeu mudanças na sua estrutura.
Já o analista do jornal britânico "The Independent" Michael Brown disse na TV que o governo ganhou tempo com a confirmação da BBC, como as autoridades vinham dizendo. Para ele, a rede terá que dar "respostas a muitas questões", como as diferenças entre a reportagem e o depoimento de Kelly ao Parlamento.
Brown argumentou que, se no final do inquérito "nenhuma cabeça rolar", a população vai começar a fazer perguntas duras, pois ficará a impressão de que "uma vida foi perdida" para proteger carreiras no governo ou na BBC. Mas, segundo Brown, a grande questão continuará sendo se o Reino Unido foi "à guerra pelos motivos corretos".
Peter Preston, colunista e ex-editor do jornal "The Guardian", disse que o fato de Kelly não ser do serviço de inteligência, como dissera o repórter da BBC, exige uma resposta da rede.
Em seu jornal da noite, principal programa de notícias do país, a BBC relatou todos os fatos do dia, incluindo as críticas e as dúvidas levantadas por políticos e analistas. E concluiu que o inquérito judicial precisa responder a todas às perguntas, inclusive se Gilligan "tornou mais sexy" as informações de Kelly. Antes, era a mídia que dizia que o governo trabalhista de Blair tornara "mais sexy" o dossiê contra o Iraque para angariar o apoio popular para a guerra.
Blair, que passou o dia ontem na Coréia do Sul, vindo do Japão, já está em Pequim. E voltou a dizer que não adiantará seu retorno por causa da crise.

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