São Paulo, sábado, 21 de agosto de 2004

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EUA

Robert Coney, 76, condenado em 1962 por roubar um supermercado, havia sido absolvido em 1973, mas a decisão foi ignorada

Nos EUA, inocente deixa prisão após 42 anos

RALPH BLUMENTHAL
DO "NEW YORK TIMES"

Robert Carroll Coney estava na prisão quando o presidente John F. Kennedy foi assassinado, em 1963, quando os homens chegaram à Lua, quando a guerra estourou no Vietnã, quando o comunismo caiu e quando a internet e o telefone celular foram inventados.
Mas, na semana passada, depois de ficar quase todos os dias dos últimos 42 anos atrás das grades, Coney, 76, deixou o presídio do Condado de Angelina, em Lufkin, Texas.
Um juiz distrital do Texas considerou críveis as antigas alegações de que ele havia sido espancado para confessar, sem a assistência de um advogado, um roubo de US$ 2.000 num supermercado. Em 1962, ele foi condenado à prisão perpétua. Ele fugiu várias vezes da prisão, mas sempre acabava recapturado logo depois.
O juiz David Wilson também descobriu uma decisão judicial que deveria ter extinguido as acusações criminais contra Coney ainda em 1973.
Tudo isso e muito mais aconteceu com Coney, segundo ele relatou ao tribunal e durante uma entrevista em Dallas, onde reencontrou Shirley Jackson, sua mulher, que o acompanhou nos últimos 50 anos, a ponto de uma vez ter entregado serras a ele na cadeia.
"Sabia que ele era um bom homem e o amava", disse Jackson, 65. Coney disse que não está amargurado. "A raiva não resolverá nada. Acredito no sistema."
Coney disse que agora está tentando se acostumar aos preços das coisas e a ter de ligar seu próprio código de área para fazer uma chamada local.
Nas conclusões do juiz e no próprio relato de Coney, a história se desenrola com ecos de "Os Miseráveis", o clássico de Victor Hugo. Veterano da Segunda Guerra e da Guerra da Coréia, Coney já havia tido alguns problemas com a lei. Fora jogado no presídio depois que um guarda o ameaçou e mandou que se calasse, num tribunal, usando xingamentos racistas.
O juiz Wilson escreveu que Leon Jones, ex-delegado de Angelina, e seus assessores "eram conhecidos por obter confissões por meio de força física". Uma das táticas do delegado era "colocar os dedos dos prisioneiros em cada lado das barras da cela e espremer esses dedos até a confissão de um prisioneiro".
Mas o ex-promotor do caso, Hulen Brown, 84, disse desconhecer qualquer violência contra Coney. ""Nunca ouvi nada do que foi colocado aqui", disse Brown sobre as alegações do juiz.

O crime
Coney disse que estava dirigindo em Lufkin com outro homem, Henry Cooper, na noite em que a polícia disse que o supermercado foi roubado, mas que Cooper havia entrado na loja sozinho. "Não tive nada com isso", disse Coney. Os dois foram identificados por testemunhas, disse Jones.
Mais tarde, num pedido de habeas corpus, Cooney alegou ter sido "espancado sem piedade, chutado e socado por policiais". Também teria sido xingado de "preto" e ameaçado de morte.
Ao mesmo tempo, Coney recorreu da condenação contra ele. Em 24 de setembro de 1973, o juiz distrital David Walker decidiu que ele "havia se reabilitado" e que "não é uma pessoa propensa à violência". O promotor endossou a decisão.
Mas ninguém avisou Coney, e a decisão nunca foi implementada.
Wilson fez uma recomendação final: "Espero que o peticionário contrate um bom roteirista".


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