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PRESÍDIO TEMÁTICO
Ex-detentas de Schloss Hoheneck (antiga Alemanha Oriental) dizem que empresário zomba de seu sofrimento
Alemão converte prisão comunista em hotel
MARK LANDER
DO "NEW YORK TIMES", EM STOLLBERG
Há apenas três anos, as últimas
prisioneiras deixaram Schloss
Hoheneck, uma fortaleza sombria sobre um penhasco na aldeia
de Stollberg (leste da Alemanha).
Hoje o maior sonho de Bernhard
Freiberger é lotar suas celas abandonadas com turistas pagantes.
Freiberger, investidor alemão
ocidental cuja colorida gravata
borboleta e o sorriso cintilante sugerem mais um negociante contumaz do que um diretor de penitenciária, em 2003 comprou a prisão feminina de 140 anos, atraído
por sua reputação tenebrosa como local de detenção de prisioneiras políticas na era comunista.
Agora promove a oportunidade
de passar uma noite como uma
dissidente, dormindo em um catre duro, numa cela úmida, consumindo alimentos de péssima
qualidade e desfrutando, como
diz o site de Freiberger, "daquele
irresistível sentimento de cadeia".
O custo: 100 por pessoa, uniformes listrados não incluídos.
"É importante fazer com que as
pessoas sintam o que ocorreu
aqui", disse Freiberger, exibindo
os horrores locais, como uma câmara escura subterrânea, onde as
prisioneiras eram deixadas com
água até a cintura por dias a fio. "É
impossível compreender o que
acontecia visitando um museu."
Se Freiberger, 44, conseguirá
criar uma hospedaria à moda do
Gulag nesse canto isolado da antiga Alemanha Oriental é uma incógnita. Ele diz que tem 800 reservas a partir de setembro.
Nostalgia do comunismo
A idéia de Freiberger provocou
reações furiosas nas mulheres que
estiveram presas em Hoheneck.
Ainda que o empresário insista
em que levará seu plano adiante,
terminou por cancelar abruptamente o primeiro "fim de semana
de cadeia", depois que um grupo
de ex-prisioneiras políticas protestou publicamente.
Alugar celas em Hoheneck é um
modo de trivializar a experiência
a que foram submetidas, acusam
as ex-presidiárias, e de transformar a história alemã depois da Segunda Guerra Mundial em um
parque temático da Stasi (polícia
secreta da Alemanha Oriental).
Para elas, a idéia é uma exploração crassa da nostalgia pelo leste
comunista, alimentada pelo filme
de Wolfgang Becker "Adeus, Lênin" (2003), que inspirou até planos de um parque sobre a Alemanha Oriental perto de Berlim.
"Ele está zombando do nosso
sofrimento", diz Leni Köhler, 77,
lendo em voz alta o site de Freiberger. "É como se a vida que tivemos lá tivesse sido maravilhosa".
Passados 50 anos de sua libertação, Köhler lembra com um arrepio os três anos em Hoheneck.
Detida em 1950 pela força de ocupação soviética, acusada de ajudar soldados russos a escapar para a Alemanha Ocidental, Köhler
foi forçada a dormir em um piso
de concreto durante sua gravidez.
Condenada a 25 anos, foi transferida para Hoheneck, onde suas
companheiras de cela eram criminosas barra-pesada. As prisioneiras políticas eram as menos influentes, o que tornava a vida uma
luta diária. Debilitada pela imundície das celas e pela falta de comida, Köhler contraiu tuberculose.
Enquanto olhava para a prisão,
originalmente construída como
castelo, no século 13, Köhler
apontou para uma torre e relembrou o dia em que subiu ao topo
da construção, despistando os
guardas. Olhando pela janela,
conseguiu ver sua aldeia natal, a
quilômetros dali. "Eu não sabia se
conseguiria rever minha terra um
dia", diz. "Tinha 25 anos e estava
muito doente, enfrentando uma
sentença de 25 anos de prisão."
Em 1954, Köhler foi libertada
em uma anistia de prisioneiros
políticos. Seu filho, nascido enquanto ela ainda estava presa, foi
entregue à sua irmã, membro do
Partido Comunista. A irmã se recusou a devolver o menino quando Köhler foi solta, e mãe e filho
só se reuniram anos depois.
Balanço moral
Contando sua história em uma
manhã ensolarada, na Alemanha
unificada e pacífica dos dias de
hoje, Köhler reconhece que o medo e o desespero daqueles dias pareciam muito distantes. E isso é
parte do problema, acrescenta.
As vítimas da tirania comunista
na Alemanha Oriental foram, em
larga medida, esquecidas na euforia que se seguiu à reunificação,
em 1990. No grande balanço moral que é a história moderna alemã, seu sofrimento é eclipsado
pelo das vítimas do nazismo.
Annemarie Krause, amiga de
Köhler e também detenta, concorda vigorosamente com a cabeça. Ela ressaltou o fato de que Freiberger jamais seria autorizado a
transformar um campo de concentração nazista em hotel.
Krause, 72, foi detida pelos soviéticos em 1948 devido a um caso
de amor clandestino com um soldado russo. Ela e o jovem estavam
preparando a deserção para o
Ocidente. Por pior que os soviéticos a tenham tratado, conta ela, os
alemães orientais, que assumiram
o controle do presídio em 1950,
eram muito mais severos.
"Nós pensávamos que estávamos voltando ao controle de alemães, e que isso nos ajudaria",
conta Krause. "Mas fomos tratadas como criminosas da mais baixa espécie. Teríamos caminhado
de joelhos de volta para os russos
se nos permitissem".
Krause e Köhler ajudaram a
criar uma exposição sobre sua experiência, na biblioteca de Stollberg. Mas o prefeito da aldeia,
Marcel Schmidt, diz que ela só
atrai 400 visitantes por ano, a
maioria moradores locais. Realizar sua ambição de transformar a
cidade em centro turístico exigiria
uma atração de maior impacto.
Comida mexicana
Críticos dizem que outros presídios da era comunista, como o de
Bautzen, atraem milhares de visitantes com mostras sobre os
maus-tratos praticados atrás de
seus muros, sem cruzar o limite
entre informação e "schadenfreude" (alegria pela desgraça alheia).
"Talvez não seja fantasiosa o
bastante, mas não consigo imaginar que pessoas venham a um lugar como Hoheneck só para curtir
uma emoção sombria como essa", diz Anne Kaminsky, diretora
de uma fundação de pesquisa sobre a ditadura alemã oriental.
"Para mim, isso é meio macabro."
Ela enviou uma carta a Freiberger, exigindo que ele abandone o
plano. Também houve protestos
de grupos de direitos humanos.
Os protestos irritaram Freiberger. Os finais de semana na prisão, diz ele, são apenas parte de
um plano para transformar o
complexo de 5,7 hectares em um
centro de eventos culturais. Ele
também planeja um hotel quatro
estrelas e 200 leitos, garagem para
carros de época e restaurante especializado, surpreendentemente, em cozinha texana-mexicana.
Freiberger não diz quanto pagou pela prisão ao Estado da Saxônia. Tampouco informa quanto pretende investir. Mas contratou um historiador para documentar a história do local e instalou um sistema de som para
transmitir música assustadora
para as celas desertas.
"As pessoas têm de entender:
podemos divulgar a história dos
crimes cometidos aqui", diz ele,
olhando o tristonho pátio da prisão. "Como poderíamos fazer
mais pelas vítimas de Hoheneck?
Eu não consigo imaginar."
Tradução de Paulo Migliacci
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