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Juiz recebe lista de 130 mil desaparecidos no franquismo
Relatório a ser divulgado amanhã pode dar origem a processo inédito na Espanha
Iniciativa do juiz Baltasar Garzón provoca disputa política; parentes de vítimas apontam crimes contra a humanidade na ditadura
19.mai.1939/ Associated Press
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O ditador Francisco Franco celebra vitória na Guerra Espanhola
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
As associações que lutam pela recuperação da memória histórica espanhola entregarão
amanhã ao juiz Baltasar Garzón um relatório contendo os
nomes de 130 mil pessoas desaparecidas durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e o
franquismo (1939-1978).
O juiz Garzón decidiu, em 28
de agosto, abrir uma investigação sobre as vítimas da guerra
civil e do franquismo, e solicitou informações a quatro ministérios (Cultura, Justiça, Defesa e Interior), à Conferência
Episcopal Espanhola, à Abadia
do Vale dos Caídos (onde está
enterrado o ditador Francisco
Franco) e a quatro governos
municipais (Córdoba, Sevilha,
Granada e Madri).
Nunca havia sido aberto um
processo de tais dimensões na
democracia espanhola.
A intenção de Garzón é recolher informações antes de se
pronunciar sobre a competência ou não de seu tribunal para
investigar denúncias apresentadas por 13 organizações. Elas
acusam o regime do general
Franco de crimes contra a humanidade, executados entre
1936 e o começo dos anos 50.
O historiador Francisco Espinoza é o autor do relatório
que será apresentado a Garzón,
no qual se contabiliza a cifra de
130 mil desaparecidos. "E eles
são apenas a ponta do iceberg",
afirma Espinosa, que desde o
início de suas pesquisas, 30
anos atrás, denuncia haver encontrado inúmeros obstáculos
para obter acesso aos arquivos
da repressão franquista.
Restam ainda muitas valas
comuns não descobertas espalhadas pela Espanha, tantas
que as associações nem se arriscam a oferecer números
aproximados. "Em Málaga, estamos escavando há um ano e
meio uma vala comum contendo 5.000 ossadas", diz Emilio
Silva, presidente da Associação
para a Recuperação da Memória Histórica e neto do desaparecido Emilio Silva Faba.
Os descendentes de pessoas
desaparecidas durante o franquismo começaram a se associar no final dos anos 90 para
impedir que seus antepassados
fossem extirpados da memória
coletiva e institucional.
Emilio
Silva afirma que a intenção da
associação que preside é tanto
divulgar a verdade quanto conseguir que o Estado assuma e
custeie a exumação e identificação de ossadas, como fizeram
outras democracias.
A iniciativa do juiz Garzón
causou grande repercussão.
O governo socialista agora apóia o
juiz, ainda que no ano passado
tenha aprovado uma lei de memória histórica que supostamente resolvia as questões referentes às vítimas do franquismo. As associações consideram
que a lei foi aprovada por impor
baixo custo político e econômico e que o Estado não está assumindo o dever de buscar os desaparecidos.
Polêmica
Muita gente atribui a decisão
repentina de apoiar Garzón a
uma manobra com o objetivo
de distrair as atenções da crise
econômica na Espanha.
De sua parte, o Partido Popular (PP), de direita, acusa o juiz
e as associações de tentarem
reabrir as feridas do passado.
O PP, fundado por Manuel
Fraga, que chegou a ser ministro no franquismo, jamais aceitou nenhuma iniciativa para
reconhecer as vítimas da repressão de Franco. Os meios de
comunicação de direita tampouco o fazem e deram início a
uma campanha de críticas ao
juiz Garzón, acusado de buscar
a atenção da mídia.
Mas, para além da troca de
acusações, fica o drama das famílias.
"Caso desejemos uma
democracia justa, é preciso reconhecer e reivindicar as vítimas que foram abandonadas, e
essa reivindicação vale para todos", diz Mirta Nunez, historiadora da Universidade Complutense de Madri e presidente da
Associação para a Memória Social e Democrática da Espanha.
Ela se refere aos dois lados na
guerra civil iniciada com a tentativa de golpe militar em 1936
-os nacionalistas (aliados do
general Franco) e os republicanos (aliados do governo democraticamente eleito).
O processo abre as portas a
uma possível busca de desaparecidos e à abertura das valas
comuns. A mais famosa e polêmica de todas, a do poeta Federico García Lorca, fuzilado nos
primeiros dias da guerra civil
por ser considerado "subversivo e homossexual", pode ser escavada em breve, apesar da relutância da família de Lorca,
que argumenta querer evitar
um circo de mídia.
Os familiares de outras vítimas sepultadas com ele, o professor Dióscoro Galindo e o encanador Francisco Galadí, pediram a Garzón no dia 12 a exumação da vala comum onde os
corpos supostamente estão.
Ninguém sabe até onde poderia chegar o procedimento
iniciado por Garzón, e discute-se se o juiz tem competência
para iniciar o caso.
Mas um precedente foi estabelecido: para grande parte da
população espanhola, esta é a
primeira vez que o regime franquista é vinculado a crimes
contra a humanidade, o que o
equipara ao regime nazista, à
Iugoslávia de Slobodan Milosevic e ao genocídio de Ruanda.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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