São Paulo, domingo, 21 de setembro de 2008

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Refugiado há 55 anos no Brasil, órfão da guerra civil busca verdade sobre o pai

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Felix Gil Herrero, espanhol de 79 anos, vive desde 1953 em São Paulo, onde teve três filhos. Seu pai, Vicente Gil Herrero, foi morto pelos franquistas durante a Guerra Civil Espanhola -e pode ter sido enterrado em uma vala comum, aberta há dois anos em Haranda, seu vilarejo natal. Herrero retornou à Espanha há um mês para uma homenagem aos mortos em Haranda. De lá, deu entrevista, por telefone, à Folha. (MM)

 

FOLHA - O que o sr. se recorda do que viveu na guerra civil?
FELIX GIL HERRERO
- Eu tinha apenas seis anos, mas lembro que passei muita fome e miséria porque assassinaram meu pai.

FOLHA - Por que mataram seu pai?
HERRERO
- Meu pai era anarquista, filiado à Confederação Geral do Trabalho (CNT). Quando a guerra começou, ele fugiu do povoado com um tio meu, com medo das represálias. Foram em direção a Madri para se unirem à frente republicana, mas meu pai voltou. Disse que não tinham feito nada a ninguém e que não fariam nada a ele. Foi preso, e três meses depois o colocaram num furgão e o levaram para matar.

FOLHA - O que aconteceu com sua família?
HERRERO
- Depois de assassinar meu pai, me levaram com outro irmão para um asilo de pobres, porque éramos cinco, e minha mãe não tinha como dar de comer a todos. Sofri naquele lugar. Fiquei até conseguir sair. Não me dou bem com padres.

FOLHA - Como foi que o sr. chegou ao Brasil?
HERRERO
- Quando eu tinha 14 anos, fui trabalhar em Terragona. Comecei a freqüentar a CNT na clandestinidade. Como meu tio estava sendo perseguido, decidimos ir para a França, em 1947. Fomos a pé e ficamos três anos, até que a Organização Internacional de Refugiados nos deu o certificado de refugiados e forneceu um passaporte. Fui para a Bolívia. Lá também entrei para a CGT e me casei. Em 1953, cheguei ao Brasil e até hoje vivo em São Paulo, onde tive três filhos.

FOLHA - Quando começou a busca por seu pai?
HERRERO
- Não sabíamos onde ele estava, por isso não podíamos pedir que o procurassem. A Associação para Recuperação da Memória Histórica (ARMH) investigou umas valas que abriram há dois anos. Acreditam que um dos corpos é de meu pai, mas ainda não sabemos.

FOLHA - Como foi a homenagem aos desaparecidos de Haranda?
HERRERO
- Nos mostraram no cemitério uma lápide grande de mármore com todos os nomes dos desaparecidos, entre eles o do meu pai. Foi emocionante.

FOLHA - Vocês estão satisfeitos com o processo que Garzón abriu?
HERRERO
- Sim, porque queremos que pelo menos se saiba o que fizeram com nossos familiares e onde eles estão.

FOLHA - O que o sr. diria aos que os acusam de querer reabrir feridas?
HERRERO
- Acho que talvez digam isso porque seus familiares estiveram envolvidos com o que aconteceu em Haranda e outros lugares. Se tivessem assassinado um ente querido seu, a senhora não iria querer lhe fazer uma homenagem e saber onde ele está enterrado?
Nós não temos ódio de ninguém. Não fomos nós que fizemos as feridas.

TRADUÇÃO DE CLARA ALLAIN



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