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Refugiado há 55 anos no Brasil, órfão da guerra civil busca verdade sobre o pai
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Felix Gil Herrero, espanhol
de 79 anos, vive desde 1953 em
São Paulo, onde teve três filhos.
Seu pai, Vicente Gil Herrero, foi
morto pelos franquistas durante a Guerra Civil Espanhola -e
pode ter sido enterrado em
uma vala comum, aberta há
dois anos em Haranda, seu vilarejo natal. Herrero retornou à
Espanha há um mês para uma
homenagem aos mortos em
Haranda. De lá, deu entrevista,
por telefone, à Folha.
(MM)
FOLHA - O que o sr. se recorda do
que viveu na guerra civil?
FELIX GIL HERRERO - Eu tinha apenas seis anos, mas lembro que
passei muita fome e miséria
porque assassinaram meu pai.
FOLHA - Por que mataram seu pai?
HERRERO - Meu pai era anarquista, filiado à Confederação
Geral do Trabalho (CNT).
Quando a guerra começou, ele
fugiu do povoado com um tio
meu, com medo das represálias. Foram em direção a Madri
para se unirem à frente republicana, mas meu pai voltou.
Disse que não tinham feito nada a ninguém e que não fariam
nada a ele. Foi preso, e três meses depois o colocaram num
furgão e o levaram para matar.
FOLHA - O que aconteceu com sua
família?
HERRERO - Depois de assassinar
meu pai, me levaram com outro
irmão para um asilo de pobres,
porque éramos cinco, e minha
mãe não tinha como dar de comer a todos. Sofri naquele lugar. Fiquei até conseguir sair.
Não me dou bem com padres.
FOLHA - Como foi que o sr. chegou
ao Brasil?
HERRERO - Quando eu tinha 14
anos, fui trabalhar em Terragona. Comecei a freqüentar a
CNT na clandestinidade. Como
meu tio estava sendo perseguido, decidimos ir para a França,
em 1947. Fomos a pé e ficamos
três anos, até que a Organização Internacional de Refugiados nos deu o certificado de refugiados e forneceu um passaporte. Fui para a Bolívia. Lá
também entrei para a CGT e
me casei. Em 1953, cheguei ao
Brasil e até hoje vivo em São
Paulo, onde tive três filhos.
FOLHA - Quando começou a busca
por seu pai?
HERRERO - Não sabíamos onde
ele estava, por isso não podíamos pedir que o procurassem.
A Associação para Recuperação
da Memória Histórica (ARMH)
investigou umas valas que abriram há dois anos. Acreditam
que um dos corpos é de meu
pai, mas ainda não sabemos.
FOLHA - Como foi a homenagem
aos desaparecidos de Haranda?
HERRERO - Nos mostraram no
cemitério uma lápide grande de
mármore com todos os nomes
dos desaparecidos, entre eles o
do meu pai. Foi emocionante.
FOLHA - Vocês estão satisfeitos
com o processo que Garzón abriu?
HERRERO - Sim, porque queremos que pelo menos se saiba o
que fizeram com nossos familiares e onde eles estão.
FOLHA - O que o sr. diria aos que os
acusam de querer reabrir feridas?
HERRERO - Acho que talvez digam isso porque seus familiares estiveram envolvidos com o
que aconteceu em Haranda e
outros lugares. Se tivessem assassinado um ente querido seu,
a senhora não iria querer lhe fazer uma homenagem e saber
onde ele está enterrado?
Nós não temos ódio de ninguém. Não fomos nós que fizemos as feridas.
TRADUÇÃO DE CLARA ALLAIN
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