UOL


São Paulo, quarta-feira, 22 de janeiro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

30 ANOS DEPOIS

Grupos pró-aborto admitem que o direito, obtido em decisão judicial de 1973, nunca correu tanto risco como agora

Avanço republicano ameaça aborto nos EUA

Larry Downing/Reuters
Ativistas antiaborto rezam durante protesto em Washington


ANDREW BUNCOMBE
DO ""THE INDEPENDENT", EM WASHINGTON

Norma McCorvey preparou um discurso em tom emotivo para uma manifestação planejada para hoje, no Texas, cujo objetivo é lembrar o 30º aniversário da decisão da Suprema Corte que deu às mulheres americanas o direito constitucional ao aborto. Ela dirá que o aborto é totalmente errado. ""Sou 100% pró-vida", disse. ""Sem exceções, sem meios-termos."
Há 30 anos, McCorvey, que hoje tem 55, pensava de outro modo. Jovem, pobre e grávida, foi ela quem lutou nos tribunais para poder fazer um aborto e cujo caso foi decidido num veredicto da Suprema Corte que ficou conhecido como o caso Roe versus Wade.
Os militantes de ambos os lados da questão concordam que nunca, nos últimos 30 anos, os direitos protegidos por essa decisão correram riscos tão grandes.
O fato de que Jane Roe -o nome fictício que garantiu o anonimato de McCorvey por mais de dez anos- faça campanha contra o direito ao aborto chama a atenção sobre até que ponto a questão continua a ser uma disputa política acirrada que exerce um papel divisor na vida americana.
Kate Michelman, presidente do Naral, um dos maiores grupos favoráveis ao direito ao aborto (conhecidos como grupos pró-escolha), disse: ""O direito de escolha da mulher está correndo provavelmente o maior perigo desde o veredicto do Roe versus Wade".
Sua opinião se baseia em grande parte numa conta simples. Com exceção dos primeiros cinco meses da Presidência de George W. Bush -quando Jim Jeffords abandonou o lado republicano, entregando o controle do Senado aos democratas-, nunca, nos últimos 30 anos, a Casa Branca, o Senado e a Câmara estiveram todos sob o controle republicano.
Mesmo em meados dos anos 90, quando várias medidas antiaborto foram aprovadas na Câmara e no Senado, o presidente Bill Clinton podia usar seu poder de veto contra uma legislação que impedisse o direito ao aborto. Bush (que, como muitos dos que se opõem ao aborto, é um cristão "linha dura") discorda de Clinton.
Na verdade, os militantes antiaborto, ou pró-vida, elogiam a administração Bush pelo que ela vem fazendo em seu apoio. Eles destacam a decisão de que o domingo passado, 19 de janeiro, passe a ser conhecido como Dia Nacional da Santidade da Vida Humana, quando ""os americanos reafirmam o compromisso com o respeito pela vida e a dignidade de todo ser humano".

Habilidade
Sarah Weddington, a advogada de Austin que levou o caso de Norma McCorvey à Suprema Corte, comentou: ""Quando vencemos o caso Roe versus Wade, se alguém tivesse dito que ainda estaríamos discutindo a mesma questão 30 anos mais tarde, eu não teria acreditado. Muitas mulheres se lembram até de onde estavam quando ouviram a decisão do Supremo. As pessoas compreenderam o significado do veredicto na época, mas não imaginavam que ele continuaria a gerar polêmica até hoje".
Os manifestantes pró-escolha dizem que os setores pró-vida nunca tiveram tanto poder quanto têm hoje, devido à presença crescente da direita fundamentalista cristã como força importante no Partido Republicano e em razão de seus vínculos estreitos com a administração atual. Tracy Ammons, do grupo Coalizão Cristã no Senado, disse: ""Se nós pudermos decidir, não haverá 31º aniversário de Roe versus Wade".
Os republicanos no Congresso já planejam implementar as restrições ao aborto, transformando em crime federal o ato de acompanhar uma menor de idade a outro Estado para que ela possa submeter-se a um aborto sem o consentimento prévio de seus pais. Também vêm sendo feitas iniciativas no sentido de aumentar os direitos concedidos ao feto.
Em nível estadual, o Naral já identificou pelo menos 34 medidas legais adotadas em todo o país durante 2002 que, segundo afirma, restringem o aborto.
Os manifestantes pró-escolha também observam que o equilíbrio da Suprema Corte -que, em última análise, ainda poderia derrubar o veredicto de Roe versus Wade- é delicado: 3 de seus 9 juízes são contra o direito ao aborto, três, a favor, e outros três acham que o direito deveria vir acompanhado de mais restrições.
Frances Kissling, presidente do grupo pró-escolha Católicos a Favor da Livre Escolha, comentou: ""Os adversários do aborto vêm agindo com muita habilidade nos últimos dez anos. Hoje em dia fala-se muito menos em ser antiaborto e muito mais em ser pró-vida. Eles criaram um clima no qual é aceitável um político eleito ser contrário ao direito ao aborto".

Tradução de Clara Allain


Texto Anterior: Europa: Holanda vai às urnas e deve derrotar extrema direita
Próximo Texto: Hispânicos já são principal minoria no país
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.