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Sarkozy amplia poder e ofusca Parlamento
Oposição e até aliados reprovam "onipotência" do presidente francês, que passou a propor maioria das leis e reformas
Críticos citam "riscos à democracia", e socialistas alegam tática para "calar opositores"; analista vê semelhanças com Napoleão
ANA DANI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS
Se um sistema de governo
pudesse ser, ao mesmo tempo,
parlamentar e presidencial, a
França seria o exemplo mais
contundente dessa estranha
combinação. E o atual presidente, Nicolas Sarkozy, não
contribui em nada para atenuá-la -pelo contrário.
As críticas à "onipotência" de
Sarkozy e à sua suposta maneira "autoritária" de governar começam a extravasar o círculo
restrito de opositores. Os mais
contundentes já citam riscos à
democracia francesa.
No último dia 20 de janeiro,
os deputados do Partido Socialista abandonaram o plenário
da Assembleia Nacional para
protestar contra projeto de lei
do governo que altera o procedimento parlamentar e as regras para apresentação de
emendas.
Os parlamentares se insurgiam contra o artigo 13 do texto, que limita o tempo de palavra para a defesa de emendas. A
tensão chegou ao ápice quando
o presidente da Assembleia decidiu encerrar os debates sobre
o polêmico artigo, sem que os
socialistas inscritos na ordem
do dia pudessem se pronunciar.
O bloco socialista, verde e comunista sustenta que o governo quer "calar a oposição". Já a
maioria alega que a medida,
parte de uma reforma mais ampla das instituições, é importante para acabar com a obstrução que paralisa a tramitação
dos projetos e o calendário de
reformas do governo.
A reação dos parlamentares
ilustra o sentimento de que
existe na França uma crescente
concentração do poder nas
mãos do presidente -uma situação favorecida pelas características do parlamentarismo
francês e acentuada pela maneira como Sarkozy governa.
"Hoje, todas as iniciativas,
reformas ou projetos de lei vêm
do próprio presidente. É um
desequilíbrio surpreendente,
que explica o sentimento de estarmos sob um regime centralizador, autoritário e pessoal",
analisa Denis Ruellan, do Centro de Pesquisas sobre Ação Política na Europa.
Num contexto de crise política e tensão social, a greve nacional do dia 29 de janeiro foi a
mais importante desde a posse
de Sarkozy, em maio de 2007. E
nem o pacote de medidas sociais apresentado pelo presidente na última quarta-feira
serviu para atenuar o descontentamento dos sindicatos, que
convocaram nova paralisação
nacional para o dia 19 de março.
Para o professor de direito
constitucional da Universidade
de Montpellier Dominique
Rousseau, o protesto de janeiro
foi não só contra os resultados
das políticas econômica e social, mas contra os métodos
usados para definir as reformas. "A forma e o conteúdo são
contestados. O diálogo foi deixado de lado em prol da vontade unilateral do presidente."
Reformas polêmicas
O projeto de lei que altera o
procedimento parlamentar é o
mais recente de uma série de
reformas que suscitam críticas.
A polêmica reforma do audiovisual francês, por exemplo,
foi aprovada em 16 de janeiro
com a oposição de senadores
governistas, entre eles o ex-premiê Jean-Pierre Rafarin, insatisfeito com o fato de a principal medida do dispositivo -supressão da publicidade nas TVs
públicas- ter sido aplicada antes de passar pelo Senado.
A nova legislação também
modificou as regras para a escolha dos dirigentes das TVs e
rádios públicas, que passam a
ser nomeados diretamente pelo presidente. "É uma medida
simbólica e inquietante que
ilustra a intenção de Sarkozy de
colocar os meios de comunicação sob sua tutela", diz Ruellan.
Menos adeptos de quedas-de-braço com o Executivo, os
magistrados também levantaram a voz contra a reforma do
Judiciário. Eles contestam, sobretudo, a supressão do juiz de
instrução, um juiz independente encarregado da investigação
prévia de ações que exigem um
inquérito mais profundo do
que o realizado pela policia.
Com a reforma, a investigação será atribuída ao Ministério Público, que na França é subordinado ao Ministério da
Justiça. Para a União dos Sindicatos da Magistratura, a reforma põe em risco a condução de
casos ligados ao poder público.
Ao comentar as reformas do
governo, o ex-premiê Dominique de Villepin, do mesmo partido do presidente, a União por
um Movimento Popular, alertou para iniciativas "que podem conduzir a uma regressão
das liberdades individuais".
Não parece ser, então, por
acaso que Alain Duhamel, um
dos principais analistas políticos da França, comparou Sarkozy ao imperador Napoleão
Bonaparte.
Em seu último livro, lançado
em dezembro e intitulado "La
Marche Consulaire", Duhamel
afirma que ambos estabeleceram a proeminência do Poder
Executivo sobre o Legislativo.
"Mesma autoridade no exercício do poder, mesma rapidez,
mesma paixão provocante pelo
poder pessoal, mesmo desprezo pelos ritos, tradições e protocolos", explica Duhamel.
O analista considera, entretanto, que a "presidencialização" do regime não pressupõe
riscos para a democracia. Ideia
que diverge da defendida pelo
professor Dominique Rousseau. "Caminhamos em direção a uma monocracia, quer dizer, o poder de um só", lamenta.
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