São Paulo, domingo, 22 de fevereiro de 2009

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Sarkozy amplia poder e ofusca Parlamento

Oposição e até aliados reprovam "onipotência" do presidente francês, que passou a propor maioria das leis e reformas

Críticos citam "riscos à democracia", e socialistas alegam tática para "calar opositores"; analista vê semelhanças com Napoleão

ANA DANI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS

Se um sistema de governo pudesse ser, ao mesmo tempo, parlamentar e presidencial, a França seria o exemplo mais contundente dessa estranha combinação. E o atual presidente, Nicolas Sarkozy, não contribui em nada para atenuá-la -pelo contrário.
As críticas à "onipotência" de Sarkozy e à sua suposta maneira "autoritária" de governar começam a extravasar o círculo restrito de opositores. Os mais contundentes já citam riscos à democracia francesa.
No último dia 20 de janeiro, os deputados do Partido Socialista abandonaram o plenário da Assembleia Nacional para protestar contra projeto de lei do governo que altera o procedimento parlamentar e as regras para apresentação de emendas.
Os parlamentares se insurgiam contra o artigo 13 do texto, que limita o tempo de palavra para a defesa de emendas. A tensão chegou ao ápice quando o presidente da Assembleia decidiu encerrar os debates sobre o polêmico artigo, sem que os socialistas inscritos na ordem do dia pudessem se pronunciar.
O bloco socialista, verde e comunista sustenta que o governo quer "calar a oposição". Já a maioria alega que a medida, parte de uma reforma mais ampla das instituições, é importante para acabar com a obstrução que paralisa a tramitação dos projetos e o calendário de reformas do governo.
A reação dos parlamentares ilustra o sentimento de que existe na França uma crescente concentração do poder nas mãos do presidente -uma situação favorecida pelas características do parlamentarismo francês e acentuada pela maneira como Sarkozy governa.
"Hoje, todas as iniciativas, reformas ou projetos de lei vêm do próprio presidente. É um desequilíbrio surpreendente, que explica o sentimento de estarmos sob um regime centralizador, autoritário e pessoal", analisa Denis Ruellan, do Centro de Pesquisas sobre Ação Política na Europa.
Num contexto de crise política e tensão social, a greve nacional do dia 29 de janeiro foi a mais importante desde a posse de Sarkozy, em maio de 2007. E nem o pacote de medidas sociais apresentado pelo presidente na última quarta-feira serviu para atenuar o descontentamento dos sindicatos, que convocaram nova paralisação nacional para o dia 19 de março.
Para o professor de direito constitucional da Universidade de Montpellier Dominique Rousseau, o protesto de janeiro foi não só contra os resultados das políticas econômica e social, mas contra os métodos usados para definir as reformas. "A forma e o conteúdo são contestados. O diálogo foi deixado de lado em prol da vontade unilateral do presidente."

Reformas polêmicas
O projeto de lei que altera o procedimento parlamentar é o mais recente de uma série de reformas que suscitam críticas.
A polêmica reforma do audiovisual francês, por exemplo, foi aprovada em 16 de janeiro com a oposição de senadores governistas, entre eles o ex-premiê Jean-Pierre Rafarin, insatisfeito com o fato de a principal medida do dispositivo -supressão da publicidade nas TVs públicas- ter sido aplicada antes de passar pelo Senado.
A nova legislação também modificou as regras para a escolha dos dirigentes das TVs e rádios públicas, que passam a ser nomeados diretamente pelo presidente. "É uma medida simbólica e inquietante que ilustra a intenção de Sarkozy de colocar os meios de comunicação sob sua tutela", diz Ruellan.
Menos adeptos de quedas-de-braço com o Executivo, os magistrados também levantaram a voz contra a reforma do Judiciário. Eles contestam, sobretudo, a supressão do juiz de instrução, um juiz independente encarregado da investigação prévia de ações que exigem um inquérito mais profundo do que o realizado pela policia.
Com a reforma, a investigação será atribuída ao Ministério Público, que na França é subordinado ao Ministério da Justiça. Para a União dos Sindicatos da Magistratura, a reforma põe em risco a condução de casos ligados ao poder público.
Ao comentar as reformas do governo, o ex-premiê Dominique de Villepin, do mesmo partido do presidente, a União por um Movimento Popular, alertou para iniciativas "que podem conduzir a uma regressão das liberdades individuais".
Não parece ser, então, por acaso que Alain Duhamel, um dos principais analistas políticos da França, comparou Sarkozy ao imperador Napoleão Bonaparte.
Em seu último livro, lançado em dezembro e intitulado "La Marche Consulaire", Duhamel afirma que ambos estabeleceram a proeminência do Poder Executivo sobre o Legislativo. "Mesma autoridade no exercício do poder, mesma rapidez, mesma paixão provocante pelo poder pessoal, mesmo desprezo pelos ritos, tradições e protocolos", explica Duhamel.
O analista considera, entretanto, que a "presidencialização" do regime não pressupõe riscos para a democracia. Ideia que diverge da defendida pelo professor Dominique Rousseau. "Caminhamos em direção a uma monocracia, quer dizer, o poder de um só", lamenta.


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