São Paulo, domingo, 22 de março de 2009

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Brasileira militou mais do que marido presidente

Paulistana do Tatuapé conheceu o marido, ex-jornalista da CNN, quando foi chamada a dar opinião sobre novelas na TV local

Envolvimento de Vanda Pignato com o pequeno e atribulado El Salvador vem dos anos 80; Mauricio Funes, recém-eleito, ingressou na FMLN há dois anos


FLÁVIA MARREIRO
DA REPORTAGEM LOCAL

CLAUDIA ANTUNES
EDITORA DE MUNDO

A casa de Vanda Pignato no tradicional bairro paulistano do Tatuapé (zona leste) acompanhou em tempo real a advogada petista virar futura primeira-dama de El Salvador, há oito dias. "Ela colocava o telefone para nossa irmã ouvir a apuração. Foi uma emoção muito grande. Agora que está caindo a ficha", conta a irmã Carmela.
Para Vanda, 46, a hora é de apontar acasos, "milagre" e detalhes históricos em seu percurso, desde a moça de família de classe média baixa até a casa oficial salvadorenha, para onde vai se mudar em 1º de junho com o eleito, Mauricio Funes, e o filho de 17 meses, Gabriel.
"Minha ligação com El Salvador vem desde pequena", anima-se, segurando o menino no colo, ora sonolento, ora fascinado pelos botões do conjunto branco que Vanda escolheu para encontrar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na sexta, em São Paulo. Funes falava à imprensa a poucos metros dali.
"Eu fiz um trabalho de escola sobre El Salvador, acredita?" Foi no ginásio, ela não lembra muito bem quando.
Mas a sequência que a levou ao posto de primeira-dama é menos prosaica e revela o encontro da militante com a trágica história recente do menor país da América Central.
O marco zero poderia ser o 9 de outubro de 1976, quando Jorge Luis Zelayandía, 22 anos, de uma família de ativistas católicos, foi capturado por agentes da Guarda Nacional de El Salvador, então sob regime militar, e desapareceu. O sequestro de Jorge fez o irmão Ernesto abraçar a militância de esquerda. Em 1985, ele viria para o Brasil, articular apoio à guerrilheira Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional.
Foi quando conheceu Vanda. Ela tinha ido parar no PT à revelia do pai, um barbeiro italiano que não queria nenhuma das três filhas metidas com política. Ainda assim, as moças Pignato, estudantes de escolas públicas, militavam "de leve" no movimento estudantil.

Brasil-El Salvador
No Brasil pós-anistia, parte da energia da esquerda se voltava para a América Central -palco, sob o americano Ronald Reagan (1981-1989), de uma segunda onda da Guerra Fria no continente.
Vanda conta que se juntou ao PT em 1981. No ano anterior, da fundação do partido brasileiro, o arcebispo Oscar Romero foi assassinado por esquadrões da morte da direita em El Salvador e cinco grupos armados se uniram na FMLN. A guerrilheira Frente Sandinista recém-chegara ao poder na Nicarágua e a revolução continuava no horizonte de parte da esquerda.
A sucessão de massacres na guerra civil salvadorenha atraía para a FMLN também os militantes de partidos já estabelecidos institucionalmente. Vanda virou ativista no Comitê de Solidariedade a El Salvador e à Nicarágua. Casou-se com Ernesto. Enquanto isso, o jornalista Mauricio Funes fazia carreira entrevistando líderes da guerrilha salvadorenha.
Nesse período, a FMLN foi parte de uma controvérsia que prejudicou o PT -o sequestro do empresário Abilio Diniz em 1989, dias antes do segundo turno que Lula perdeu para Fernando Collor. Integrantes do MIR (Movimento de Esquerda Revolucionária) chileno que planejaram o sequestro alegaram que buscavam fundos para as Forças Populares de Libertação, parte da FMLN.
A FMLN sempre negou participação. Um dirigente da época diz que o objetivo então era buscar uma solução negociada para o conflito, e que o crime afetaria as relações da guerrilha com as Nações Unidas e os governos que a reconheciam como "parte beligerante".

Mudança
A paulistana Vanda resolveu mudar-se para El Salvador em 1992, pouco depois de um acordo mediado pela ONU para encerrar a guerra civil. "Foi um ato de coragem, porque era um período de acomodação. Ainda ocorriam assassinatos", conta Paulo Ferreira, tesoureiro do PT e amigo dela há 9 anos.
"Queria ficar lá, então concorri à vaga de diretora do Centro de Estudos Brasileiros [ligado à embaixada]", lembra Vanda, que logo se separaria do primeiro marido.
Ela seguiu engajada no PT e participava das reuniões do Fórum de São Paulo, articulado pelo petismo e controvertido por já ter permitido a participação das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), convertida em narcoguerrilha.
Vanda foi a reuniões na América Central inteira. No sentido estrito, tem mais estrada política do que o marido futuro presidente, que se filiou à FMLN há apenas dois anos.
A paulistana reage quando questionada sobre um possível conflito de interesses entre o papel de representante oficial petista na América Central, a partir de 2005, e o posto de diretora do CEB, pelo qual ganhava salário do governo. Diz nunca ter usado o horário de trabalho para as articulações políticas. "Pode perguntar a qualquer um dos embaixadores que serviram lá no período."

Folhetim e futuro
Com a pacificação de El Salvador, a história de Vanda deixou as páginas mais dramáticas para encontrar o folhetim. Um dia, ela foi chamada ao Canal 12. Queriam a opinião sobre duas novelas brasileiras que estudavam comprar, "O Dono do Mundo" e "Barriga de Aluguel".
O que Vanda achou é que uma ida ao Canal 12 exigia uma palavrinha com Funes, o comentarista político estrela da emissora e da CNN em espanhol -ele ganhara o prêmio Maria Moors Cabot, oferecido pela escola de jornalismo de Columbia, em 1994. "Fui lá dizer para ele que ele era bom, mas que a pauta deveria ser mais latino-americanista."
Funes chamou a moça para um café. "Nunca mais nos separamos." Foi o terceiro casamento dele, que tem, contando Gabriel, três filhos ao todo.
O novo casal manteria os laços com o PT, decisivos na campanha deste ano. Funes contratou o marqueteiro de Lula, João Santana, e citou o presidente brasileiro sempre que a campanha da governista Arena (Aliança Republicana Nacionalista) dizia que ele seguiria o bolivarianismo chavista.
A imprensa salvadorenha não deixou de lembrar os manifestos pró-Chávez que Vanda assinara. Provocava o então candidato dizendo que ele negava as ideias da mulher.
A futura primeira-dama raramente falou com os jornais locais, a maioria pró-Arena, durante a disputa. "Fomos muito ameaçados." Conta ter mandado um memorando reservado ao embaixador brasileiro em San Salvador, relatando uma das ameaças.
Por causa delas, diz Vanda, Gabriel foi enviado para uma temporada com os avós em São Paulo. "Bibi" é outro elemento de sua história de improbabilidades: "Foi um milagre". Ela, que nunca conseguira engravidar, deu à luz Gabriel em plena campanha, aos 45 anos e sem tratamentos.
Pela Carta salvadorenha, parte da política social é comandada pela primeira-dama, e Vanda escolheu como prioridade o "Cidade Mulher"-programa para inclusão de mulheres, alvo preferencial de violência no país com a mais alta taxa de homicídios do continente.
Agora, o desafio é conciliar a maternidade com o papel no governo. Na sexta, ela parecia ansiosa em mimar Gabriel, após a distância. Lamentou-se. Emendou incluindo-o no espírito de dever público: "Foi a primeira cota de sacrifício que ele fez por um novo El Salvador".

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