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Brasileira militou mais do que marido presidente
Paulistana do Tatuapé conheceu o marido, ex-jornalista da CNN, quando foi chamada a dar opinião sobre novelas na TV local
Envolvimento de Vanda Pignato com o pequeno e atribulado El Salvador vem dos anos 80; Mauricio Funes, recém-eleito, ingressou na FMLN há dois anos
FLÁVIA MARREIRO
DA REPORTAGEM LOCAL
CLAUDIA ANTUNES
EDITORA DE MUNDO
A casa de Vanda Pignato no
tradicional bairro paulistano
do Tatuapé (zona leste) acompanhou em tempo real a advogada petista virar futura primeira-dama de El Salvador, há
oito dias. "Ela colocava o telefone para nossa irmã ouvir a apuração. Foi uma emoção muito
grande. Agora que está caindo a
ficha", conta a irmã Carmela.
Para Vanda, 46, a hora é de
apontar acasos, "milagre" e detalhes históricos em seu percurso, desde a moça de família
de classe média baixa até a casa
oficial salvadorenha, para onde
vai se mudar em 1º de junho
com o eleito, Mauricio Funes, e
o filho de 17 meses, Gabriel.
"Minha ligação com El Salvador vem desde pequena", anima-se, segurando o menino no
colo, ora sonolento, ora fascinado pelos botões do conjunto
branco que Vanda escolheu para encontrar o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva na sexta,
em São Paulo. Funes falava à
imprensa a poucos metros dali.
"Eu fiz um trabalho de escola
sobre El Salvador, acredita?"
Foi no ginásio, ela não lembra
muito bem quando.
Mas a sequência que a levou
ao posto de primeira-dama é
menos prosaica e revela o encontro da militante com a trágica história recente do menor
país da América Central.
O marco zero poderia ser o 9
de outubro de 1976, quando
Jorge Luis Zelayandía, 22 anos,
de uma família de ativistas católicos, foi capturado por agentes da Guarda Nacional de El
Salvador, então sob regime militar, e desapareceu. O sequestro de Jorge fez o irmão Ernesto abraçar a militância de esquerda. Em 1985, ele viria para
o Brasil, articular apoio à guerrilheira Frente Farabundo
Martí de Libertação Nacional.
Foi quando conheceu Vanda.
Ela tinha ido parar no PT à revelia do pai, um barbeiro italiano que não queria nenhuma
das três filhas metidas com política. Ainda assim, as moças
Pignato, estudantes de escolas
públicas, militavam "de leve"
no movimento estudantil.
Brasil-El Salvador
No Brasil pós-anistia, parte
da energia da esquerda se voltava para a América Central
-palco, sob o americano Ronald Reagan (1981-1989), de
uma segunda onda da Guerra
Fria no continente.
Vanda conta que se juntou ao
PT em 1981. No ano anterior, da
fundação do partido brasileiro,
o arcebispo Oscar Romero foi
assassinado por esquadrões da
morte da direita em El Salvador
e cinco grupos armados se uniram na FMLN. A guerrilheira
Frente Sandinista recém-chegara ao poder na Nicarágua e a
revolução continuava no horizonte de parte da esquerda.
A sucessão de massacres na
guerra civil salvadorenha atraía
para a FMLN também os militantes de partidos já estabelecidos institucionalmente. Vanda
virou ativista no Comitê de Solidariedade a El Salvador e à Nicarágua. Casou-se com Ernesto. Enquanto isso, o jornalista
Mauricio Funes fazia carreira
entrevistando líderes da guerrilha salvadorenha.
Nesse período, a FMLN foi
parte de uma controvérsia que
prejudicou o PT -o sequestro
do empresário Abilio Diniz em
1989, dias antes do segundo
turno que Lula perdeu para
Fernando Collor. Integrantes
do MIR (Movimento de Esquerda Revolucionária) chileno que planejaram o sequestro
alegaram que buscavam fundos
para as Forças Populares de Libertação, parte da FMLN.
A FMLN sempre negou participação. Um dirigente da época diz que o objetivo então era
buscar uma solução negociada
para o conflito, e que o crime
afetaria as relações da guerrilha
com as Nações Unidas e os governos que a reconheciam como "parte beligerante".
Mudança
A paulistana Vanda resolveu
mudar-se para El Salvador em
1992, pouco depois de um acordo mediado pela ONU para encerrar a guerra civil. "Foi um
ato de coragem, porque era um
período de acomodação. Ainda
ocorriam assassinatos", conta
Paulo Ferreira, tesoureiro do
PT e amigo dela há 9 anos.
"Queria ficar lá, então concorri à vaga de diretora do Centro de Estudos Brasileiros [ligado à embaixada]", lembra Vanda, que logo se separaria do primeiro marido.
Ela seguiu engajada no PT e
participava das reuniões do Fórum de São Paulo, articulado
pelo petismo e controvertido
por já ter permitido a participação das Farc (Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia),
convertida em narcoguerrilha.
Vanda foi a reuniões na América Central inteira. No sentido
estrito, tem mais estrada política do que o marido futuro presidente, que se filiou à FMLN
há apenas dois anos.
A paulistana reage quando
questionada sobre um possível
conflito de interesses entre o
papel de representante oficial
petista na América Central, a
partir de 2005, e o posto de diretora do CEB, pelo qual ganhava salário do governo. Diz
nunca ter usado o horário de
trabalho para as articulações
políticas. "Pode perguntar a
qualquer um dos embaixadores
que serviram lá no período."
Folhetim e futuro
Com a pacificação de El Salvador, a história de Vanda deixou as páginas mais dramáticas
para encontrar o folhetim. Um
dia, ela foi chamada ao Canal
12. Queriam a opinião sobre
duas novelas brasileiras que estudavam comprar, "O Dono do
Mundo" e "Barriga de Aluguel".
O que Vanda achou é que
uma ida ao Canal 12 exigia uma
palavrinha com Funes, o comentarista político estrela da
emissora e da CNN em espanhol -ele ganhara o prêmio
Maria Moors Cabot, oferecido
pela escola de jornalismo de
Columbia, em 1994. "Fui lá dizer para ele que ele era bom,
mas que a pauta deveria ser
mais latino-americanista."
Funes chamou a moça para
um café. "Nunca mais nos separamos." Foi o terceiro casamento dele, que tem, contando
Gabriel, três filhos ao todo.
O novo casal manteria os laços com o PT, decisivos na campanha deste ano. Funes contratou o marqueteiro de Lula,
João Santana, e citou o presidente brasileiro sempre que a
campanha da governista Arena
(Aliança Republicana Nacionalista) dizia que ele seguiria o bolivarianismo chavista.
A imprensa salvadorenha
não deixou de lembrar os manifestos pró-Chávez que Vanda
assinara. Provocava o então
candidato dizendo que ele negava as ideias da mulher.
A futura primeira-dama raramente falou com os jornais
locais, a maioria pró-Arena, durante a disputa. "Fomos muito
ameaçados." Conta ter mandado um memorando reservado
ao embaixador brasileiro em
San Salvador, relatando uma
das ameaças.
Por causa delas, diz Vanda,
Gabriel foi enviado para uma
temporada com os avós em São
Paulo. "Bibi" é outro elemento
de sua história de improbabilidades: "Foi um milagre". Ela,
que nunca conseguira engravidar, deu à luz Gabriel em plena
campanha, aos 45 anos e sem
tratamentos.
Pela Carta salvadorenha,
parte da política social é comandada pela primeira-dama,
e Vanda escolheu como prioridade o "Cidade Mulher"-programa para inclusão de mulheres, alvo preferencial de violência no país com a mais alta taxa
de homicídios do continente.
Agora, o desafio é conciliar a
maternidade com o papel no
governo. Na sexta, ela parecia
ansiosa em mimar Gabriel,
após a distância. Lamentou-se.
Emendou incluindo-o no espírito de dever público: "Foi a primeira cota de sacrifício que ele
fez por um novo El Salvador".
PAÍS FOI PALCO
SANGRENTO DA
"SEGUNDA
GUERRA FRIA"
O governo Reagan
(1981-1989) financiou
e assessorou militares;
guerrilha formou-se
após cisões no PC
COMISSÃO
APUROU CRIMES
DE 12 ANOS DE
GUERRA CIVIL
ONU atribuiu 85% dos
crimes de guerra a
militares e aliados e
5% à FMLN. No total,
75 mil morreram
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