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PIB cresce, mas não recupera perdas
MARCELO BILLI
DE BUENOS AIRES
Seja quem for eleito presidente
na Argentina, receberá um país
com uma economia que, após
uma recessão que durou cinco
anos, crescerá cerca de 4% em
2003. Pela primeira vez desde
1998 o país terminará um ano
produzindo mais riqueza do que
no ano anterior- de 1998 a 2002,
a economia do país encolheu
20%. A indústria argentina reagiu
à desvalorização da moeda. O país
abandonou o sistema de conversibilidade -que fixava o peso ao
dólar- em janeiro do ano passado. À desvalorização, seguiram-se
as previsões mais sombrias: o país
entraria em colapso; as empresas
quebrariam; o câmbio dispararia
e um dólar poderia chegar a custar até 10 pesos. O resultado final
seria a hiperinflação.
A economia realmente entrou
em colapso e, em um ano, o PIB
(Produto Interno Bruto) caiu
11%. O desemprego nunca foi tão
alto -calcula-se que metade da
população está desempregada ou
subempregada-, e as taxas de
pobreza subiram para os maiores
níveis dos últimos onze anos
-47% da população está abaixo
da linha de pobreza, ou seja, não
ganha o suficiente para cobrir os
gastos básicos da família.
Mas longe de cair num poço
sem fundo, como previam muitos
analistas, a economia começa a
recuperar-se. Os primeiros sinais
de reativação vieram da indústria:
os setores exportadores e os que
produzem produtos que substituem importados reagiram à desvalorização da moeda. "Toda
ação tem uma reação. Isso vale
também para a economia", diz
Alicia Caballero, diretora do Departamento de Economia da Universidade Católica Argentina.
Com a queda do peso em relação ao dólar, os produtos argentinos no exterior ficaram mais baratos. Os importados, por sua vez,
ficaram muito caros e a produção
local os substituiu.
A lucratividade das empresas
exportadoras subiu 32% no primeiro trimestre deste ano em relação ao mesmo período de 2001,
quando ainda estava de pé o regime de conversibilidade, segundo
o qual um peso valia um dólar.
Em alguns setores, como a pesca,
indústria de autopeças e siderurgia, a alta foi de mais de 60%.
Quem fabrica produtos antes
importados também se deu bem:
a indústria têxtil, que quase desapareceu nos anos 90, triplicou a
produção em fevereiro deste ano
em comparação com o mesmo
período de 2002. A produção de
fios de algodão e da indústria metal-mecânica mais que duplicou.
Mais investimento
No primeiro trimestre deste
ano, o investimento cresceu pela
primeira vez em 18 trimestres. "É
um investimento especulativo,
para aproveitar oportunidades. O
investidor procura empresas bem
posicionadas, exportadoras por
exemplo", avalia Aldo Abram, diretor-geral da consultaria Exante.
A arrecadação de impostos
cresceu. Pela primeira vez em cinco anos, o governo cumpriu a meta de superávit primário -diferença entre receitas e gastos do
governo, excluído o pagamento
de juros- com o FMI (Fundo
Monetário Internacional). Nos
três primeiros meses do ano, o governo deveria economizar 1,5 bilhão de pesos, mas a economia
pode ter chegado a 1,75 bilhão.
"Em dezembro, ninguém acreditava que poderíamos cumprir
com as metas do primeiro trimestre", comemora Jorge Sarghini,
secretário da Fazenda.
Os argentinos também recomeçam a viver em uma "economia
normal". Com a crise, várias Províncias emitiram moedas locais
para pagar salários de servidores.
O resultado: hoje, incluindo o peso, há dez moedas diferentes circulando no território argentino.
Nas últimas semanas, o governo
federal fez um acordo com nove
Províncias e em alguns meses a
Argentina passa a ter novamente
apenas uma moeda de circulação.
Pela primeira vez em mais de 15
meses os argentinos têm liberdade total para movimentar suas
contas bancárias. E, algo que surpreende muitos analistas, o dinheiro que havia sido congelado
pelo governo nos bancos, quando
liberado, acabou ficando nos bancos. "Neste caso, a cobiça venceu
o medo", diz Caballero. Ela explica: o dólar está em queda, e os
bancos pagam taxas de 24% ao
ano para depósitos em pesos. Assim, os argentinos preferem deixar o dinheiro nos bancos.
"A Argentina estava condenada
a crescer" diz Juan Luis Bour, diretor da Fiel (Fundação de Investigações Econômicas Latino-americanas). Mas, avalia Bour, o
desempenho positivo não é motivo para muitas comemorações:
"Desde o terceiro trimestre de
1998, a economia encolheu 20%".
Ele faz os cálculos: o país levaria
cinco anos para voltar aos níveis
de produção de 1998, caso a economia crescesse 4% ao ano. Para
que os argentinos recuperem a
renda per capita que tinham em
1998, o país teria que crescer 6%
ao ano durante cinco anos.
Ele chama atenção para a "herança" que a crise deixará: a relação entre a dívida pública e o PIB
era de 60% em 2001 e está hoje em
150%; o sistema financeiro está
virtualmente quebrado; o país
tem que renegociar a dívida externa, que parou de pagar em janeiro
do ano passado; as empresas de
serviços públicos esperam pela
renegociação de contratos.
Todos os economistas concordam que, sem resolver esses problemas, a economia argentina dificilmente poderá continuar crescendo nos próximos anos. "Não
há crédito, não há mercado de capitais. Sem reformas sérias podemos até não cair mais. Mas não
crescer depois de encolher 20% já
é uma tragédia", diz Caballero.
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