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São Paulo, terça-feira, 22 de abril de 2003

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PIB cresce, mas não recupera perdas

MARCELO BILLI
DE BUENOS AIRES

Seja quem for eleito presidente na Argentina, receberá um país com uma economia que, após uma recessão que durou cinco anos, crescerá cerca de 4% em 2003. Pela primeira vez desde 1998 o país terminará um ano produzindo mais riqueza do que no ano anterior- de 1998 a 2002, a economia do país encolheu 20%. A indústria argentina reagiu à desvalorização da moeda. O país abandonou o sistema de conversibilidade -que fixava o peso ao dólar- em janeiro do ano passado. À desvalorização, seguiram-se as previsões mais sombrias: o país entraria em colapso; as empresas quebrariam; o câmbio dispararia e um dólar poderia chegar a custar até 10 pesos. O resultado final seria a hiperinflação.
A economia realmente entrou em colapso e, em um ano, o PIB (Produto Interno Bruto) caiu 11%. O desemprego nunca foi tão alto -calcula-se que metade da população está desempregada ou subempregada-, e as taxas de pobreza subiram para os maiores níveis dos últimos onze anos -47% da população está abaixo da linha de pobreza, ou seja, não ganha o suficiente para cobrir os gastos básicos da família.
Mas longe de cair num poço sem fundo, como previam muitos analistas, a economia começa a recuperar-se. Os primeiros sinais de reativação vieram da indústria: os setores exportadores e os que produzem produtos que substituem importados reagiram à desvalorização da moeda. "Toda ação tem uma reação. Isso vale também para a economia", diz Alicia Caballero, diretora do Departamento de Economia da Universidade Católica Argentina.
Com a queda do peso em relação ao dólar, os produtos argentinos no exterior ficaram mais baratos. Os importados, por sua vez, ficaram muito caros e a produção local os substituiu.
A lucratividade das empresas exportadoras subiu 32% no primeiro trimestre deste ano em relação ao mesmo período de 2001, quando ainda estava de pé o regime de conversibilidade, segundo o qual um peso valia um dólar. Em alguns setores, como a pesca, indústria de autopeças e siderurgia, a alta foi de mais de 60%.
Quem fabrica produtos antes importados também se deu bem: a indústria têxtil, que quase desapareceu nos anos 90, triplicou a produção em fevereiro deste ano em comparação com o mesmo período de 2002. A produção de fios de algodão e da indústria metal-mecânica mais que duplicou.

Mais investimento
No primeiro trimestre deste ano, o investimento cresceu pela primeira vez em 18 trimestres. "É um investimento especulativo, para aproveitar oportunidades. O investidor procura empresas bem posicionadas, exportadoras por exemplo", avalia Aldo Abram, diretor-geral da consultaria Exante.
A arrecadação de impostos cresceu. Pela primeira vez em cinco anos, o governo cumpriu a meta de superávit primário -diferença entre receitas e gastos do governo, excluído o pagamento de juros- com o FMI (Fundo Monetário Internacional). Nos três primeiros meses do ano, o governo deveria economizar 1,5 bilhão de pesos, mas a economia pode ter chegado a 1,75 bilhão. "Em dezembro, ninguém acreditava que poderíamos cumprir com as metas do primeiro trimestre", comemora Jorge Sarghini, secretário da Fazenda.
Os argentinos também recomeçam a viver em uma "economia normal". Com a crise, várias Províncias emitiram moedas locais para pagar salários de servidores. O resultado: hoje, incluindo o peso, há dez moedas diferentes circulando no território argentino. Nas últimas semanas, o governo federal fez um acordo com nove Províncias e em alguns meses a Argentina passa a ter novamente apenas uma moeda de circulação.
Pela primeira vez em mais de 15 meses os argentinos têm liberdade total para movimentar suas contas bancárias. E, algo que surpreende muitos analistas, o dinheiro que havia sido congelado pelo governo nos bancos, quando liberado, acabou ficando nos bancos. "Neste caso, a cobiça venceu o medo", diz Caballero. Ela explica: o dólar está em queda, e os bancos pagam taxas de 24% ao ano para depósitos em pesos. Assim, os argentinos preferem deixar o dinheiro nos bancos.
"A Argentina estava condenada a crescer" diz Juan Luis Bour, diretor da Fiel (Fundação de Investigações Econômicas Latino-americanas). Mas, avalia Bour, o desempenho positivo não é motivo para muitas comemorações: "Desde o terceiro trimestre de 1998, a economia encolheu 20%". Ele faz os cálculos: o país levaria cinco anos para voltar aos níveis de produção de 1998, caso a economia crescesse 4% ao ano. Para que os argentinos recuperem a renda per capita que tinham em 1998, o país teria que crescer 6% ao ano durante cinco anos.
Ele chama atenção para a "herança" que a crise deixará: a relação entre a dívida pública e o PIB era de 60% em 2001 e está hoje em 150%; o sistema financeiro está virtualmente quebrado; o país tem que renegociar a dívida externa, que parou de pagar em janeiro do ano passado; as empresas de serviços públicos esperam pela renegociação de contratos.
Todos os economistas concordam que, sem resolver esses problemas, a economia argentina dificilmente poderá continuar crescendo nos próximos anos. "Não há crédito, não há mercado de capitais. Sem reformas sérias podemos até não cair mais. Mas não crescer depois de encolher 20% já é uma tragédia", diz Caballero.



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