São Paulo, sábado, 22 de abril de 2006

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ÁSIA

Gyanendra cede à pressão de duas semanas de manifestações que fizeram 12 mortos, mas oposição quer nova Constituição

Rei do Nepal renuncia ao absolutismo

Bikas Rauniar/Efe
Manifestantes desafiam o toque de recolher e queimam bicicletas em Katmandu, capital do Nepal, convulsionada por protestos


DA REDAÇÃO

O rei Gyanendra, do Nepal, declarou ontem que devolveria a soberania ao seu povo e pediu que os sete partidos políticos coligados numa frente de oposição indicassem um primeiro-ministro.
"O Poder Executivo do reino do Nepal, que estava sob nossa proteção, será a partir deste dia devolvido ao povo", afirmou Gyanendra, vestido em seu mais solene traje de gala, em cerimônia transmitida pela rádio local.
O monarca do pequeno país do Himalaia abre mão, com isso, dos poderes absolutos que assumiu em fevereiro der 2005, quando fechou o Parlamento e centralizou todas as decisões políticas e administrativas, sob o argumento de neutralizar a guerrilha maoísta, que em uma década já provocou a morte de 13 mil pessoas.
O país estava paralisado desde o último dia 6, quando a frente de oposição comandou uma greve geral e promoveu manifestações em favor da democracia. Ao menos 12 pessoas morreram e centenas ficaram feridas em confronto com a polícia, mesmo com o toque de recolher entre 9h e 24h.
Os dois principais partidos disseram que a declaração de Gyanendra não punha fim à crise, porque ele não convocou uma assembléia constituinte capaz de reduzir seus poderes a um plano puramente simbólico, a exemplo da britânica Elizabeth 2ª.
Com 140 mil km2 -um pouco menor que o Estado do Acre, no Brasil-, o Nepal é um dos países mais pobres do mundo, com 40% de seus 27,6 milhões de habitantes abaixo da linha de pobreza. Suas exportações, basicamente para a Índia, resumem-se a roupas e produtos de couro e juta.
Mas o Nepal atrai divisas estrangeiras em razão do turismo, com seu relevo montanhoso e os picos nevados do Himalaia.
O absolutismo da monarquia prevaleceu até 1951. Os partidos políticos foram tolerados, no entanto, apenas em 1990. Em 2001, o príncipe herdeiro, Dipendra, matou o rei Birendra, seu pai, suicidando-se em seguida. Após o massacre do palácio real, Gyanendra, irmão do monarca assassinado, assumiu o trono.
O novo rei demitiu por duas vezes os chefes do governo, qualificando-os de "incompetentes" para enfrentar a guerrilha. Em fevereiro do ano passado ele fechou o Parlamento, determinou a prisão dos líderes partidários e decretou o estado de emergência.
A atual revolta surgiu contra seus poderes ditatoriais. A capital, Katmandu, mergulhou no caos, já que a polícia e o Exército continham com selvageria os manifestantes que tinham por objetivo invadir o palácio do rei.
A repressão contra o movimento comandado pela oposição assumiu tamanha proporção que ainda anteontem, em Genebra, cinco especialistas da ONU em direitos humanos exprimiram sua "grave preocupação" com a "violência cega" das forças encarregadas de manter a ordem.
"As forças de segurança atiraram de modo indistinto na multidão, usando às vezes balas de borracha, mas em outras ocasiões, projéteis de verdade", lamentaram os especialistas.
Pouco antes do pronunciamento do rei, o embaixador americano, James Moriarty, disse que a monarquia estaria por um triz se o rei não fizesse concessões. Mais tarde, o Departamento de Estado afirmava-se satisfeito, em Washington, pela promessa do rei de reinstaurar a democracia.
A mensagem não foi, no entanto, bem essa, disseram os líderes do Congresso Nepalês Democrático, Minendra Rijal, e do Partido Comunista, Pradeep Nepal. Segundo eles, o rei se dispõe apenas a dividir o poder com um governo indicado pelo Parlamento, em lugar de permitir a adoção de um modelo europeu de parlamentarismo, no qual ele não mais teria atribuições políticas.
De qualquer modo, as manifestações de rua prosseguiam em Katmandu depois da declaração real. Elas obedeciam às lideranças do movimento, para as quais "o protesto prosseguirá até nova ordem e com mais intensidade".

Com agências internacionais


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