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UM COMUNISTA NO ALTAR
Cidades bolivianas onde o guerrilheiro foi visto pela última vez o veneram e lhe atribuem milagres
Che vira santo Ernesto de La Higuera
RODRIGO BERTOLOTTO
enviado especial à Bolívia
Médico sem usar branco, ministro sem vestir terno, comandante
sem ter insígnia, o argentino Ernesto Guevara, o Che, se transformou, depois de morto, em santo
sem ser canonizado.
Segundo a população das localidades bolivianas de Vallegrande e
La Higuera (a 250 quilômetros de
Santa Cruz de la Sierra), os milagres do guerrilheiro morto há 30
anos vêm aumentando.
"Che é um santo muito milagroso. Tínhamos safras muito ruins
nos últimos anos, mas, neste ano,
pedimos à alma dele e colhemos
muita batata, trigo e milho", afirma o agricultor Pedro Carizale, 30.
Carizale é um dos 165 habitantes
de La Higuera, vilarejo onde Guevara foi preso e morto após o fracasso da guerrilha na Bolívia no final de 1967. Em Vallegrande, cidade de mais de 6.000 habitantes e
onde o corpo de Che foi visto pela
última vez, a devoção é igual.
Mulheres encomendam missas
em nome do guerrilheiro na igreja
central por três pesos bolivianos
(US$ 0,60) e colocam flores na cabeceira da pista de pouso local
(onde supostamente ele estaria enterrado) e no hospital Señor de
Malta (onde foi velado).
"Umas beatas me recriminaram
por crer em Che, me chamando de
comunista. Eu não sei o que é isso.
Apenas tenho fé que seu espírito
faz milagre", diz a aposentada
Margarida Calzatilla, 80.
Ateu, Che Guevara escolheu a região para a guerrilha por sua localização geográfica (próxima do Paraguai, Argentina e Brasil) e sua
densa vegetação (ideal para o combate guerrilheiro), mas não contava com a falta de cooperação dos
camponeses da área, que eram
muito religiosos, e com suas associações ligadas a forças militares.
Durante a luta contra as tropas
de Guevara, o governo boliviano
fez uma intensa propaganda, associando os rivais a hábitos pouco
cristãos, como roubar crianças de
suas famílias e matar velhos porque não serviam para produzir.
Alguns lavradores, em seus informes aos militares, os descreviam como bruxos, por saberem
tudo sobre ele e a região.
Mas, depois de morto, a imagem
do revolucionário começou a ser
relacionada à de Jesus Cristo.
"Che se sacrificou pelos pobres,
amou os povos e morreu injustamente, como Jesus Cristo", afirma
a funcionária pública Ligia Morón.
Para os jovens, a santidade não
interessa. "Ele virou santo para as
senhoras daqui, mas nós queremos resgatá-lo por seus ideais",
diz o estudante Edson Hurtado, 17.
Cidade inalterada
A vila de La Higuera, encravada
nas serras próximas aos Andes, está quase idêntica àquela em que
Che viveu seus últimos minutos.
Continua sem luz e telefone.
Água encanada chegou há três
anos. No lugar da escola onde ele
foi encarcerado e morto a tiros
funciona há quatro anos um posto
médico, mantido por uma entidade não-governamental de capital
alemão, cubano e boliviano.
Em suas paredes, estão pôsteres
do guerrilheiro junto a cartazes de
como prevenir o mal de Chagas,
doença mais comum na região.
"É a melhor homenagem ao
Che, já que era um médico", afirma o doutor do posto. "Um orgulho, já que é a única localidade da
região com essa estrutura."
A cidadezinha recebe, em média,
três turistas por semana, número
que se multiplica no dia 8 de outubro, quando se celebram o aniversário de captura de Che e os festejos de santo Ernesto de La Higuera.
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