São Paulo, terça-feira, 22 de junho de 2004

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EUA exageram valor dos detidos em Guantánamo

TIM GOLDEN E
DON VAN NATTA JR.
DO "NEW YORK TIMES"

Por quase dois anos e meio, autoridades americanas vêm afirmando que os prisioneiros mantidos em Guantánamo são alguns dos mais perigosos terroristas do mundo. Mas uma investigação do "New York Times" descobriu que autoridades militares e do governo repetidas vezes exageraram tanto o perigo que os presos representam como as informações que eles forneceram.
As autoridades dizem que as informações passadas pelos prisioneiros expuseram células terroristas, impediram ataques e revelaram dados vitais sobre a Al Qaeda. De acordo com funcionários da Casa Branca, os segredos que escondem e a ameaça que representam justificam sua detenção por tempo indeterminado e sem acusação formal.
Atualmente há em Guantánamo 595 "combatentes inimigos", como são chamados pelo governo americano os detidos -uma definição que os coloca fora do alcance das leis americanas e das Convenções de Genebra que regulamentam o tratamento de prisioneiros de guerra.
A base militar de Guantánamo está instalada em uma área de 115 quilômetros quadrados no sudeste da ilha de Cuba. O território foi tomado pelos americanos durante a guerra EUA-Espanha (1898) e está cedido por Cuba aos EUA em regime de leasing desde 1903. A Suprema Corte está se preparando para deliberar sobre o status legal desses prisioneiros.
Em entrevistas, dezenas de militares, policiais e agentes de inteligência de alta patente dos EUA, da Europa e do Oriente Médio dizem que, ao contrário do que afirmam altos funcionários da Casa Branca, nenhum dos prisioneiros da base naval em Guantánamo é líder ou agente graduado da Al Qaeda. Todos dizem que só um punhado -alguns colocam o número em uma dúzia, outros em mais de duas dúzias- são membros jurados da Al Qaeda ou militantes capazes de revelar como a rede terrorista funciona.

Recrutas e inocentes
Em setembro de 2002, oito meses após os prisioneiros começarem a chegar a Cuba, um estudo secreto da CIA (o serviço secreto dos EUA) levantou indagações sobre a sua importância. De acordo com autoridades que tiveram acesso ao documento, ele sugere que muitos dos terroristas acusados pareciam ser recrutas de baixo nível que foram ao Afeganistão apoiar o Taleban ou simplesmente eram gente inocente colhida pelo caos da guerra.
Quase dois anos depois, afirmam autoridades militares, as provas contra muitos dos prisioneiros ainda é tão esparsa que os investigadores foram capazes de montar casos para a abertura de processo militar contra apenas 15 dos suspeitos. Segundo essas fontes, os investigadores preparam outros 35 a 40 casos para irem a julgamento.
Autoridades em Guantánamo e no Pentágono defendem os esforços de inteligência e dizem que eles continuam a produzir dados úteis. "Todos os dias nós conseguimos algum pedaço de informação relevante", afirmou Steve Rodriguez, que dirige as equipes de interrogadores na base.
Ao mesmo tempo em que defende a importância das informações conseguidas, o comandante da prisão de Guantánamo, general Jay Hood, reconhece o desapontamento em Washington. "As expectativas eram muito altas desde o começo. Alguns esperavam um fluxo de informações que ajudaria no desmantelamento da mais sofisticada organização terrorista numa questão de meses. Mas isso não aconteceu."
Mesmo agora, autoridades admitem que foram incapazes de extrair informações de pelo menos 60 presos -em alguns casos, sequer suas identidades. Essas incertezas, dizem as autoridades, deixam aberta a possibilidade de que existam terroristas mais perigosos entre os detentos.

Espiões
Funcionários do governo inicialmente esperavam conseguir mais em Guantánamo do que extrair informações dos prisioneiros. Eles pretendiam fazer com que alguns dos detentos se transformassem em trunfos da guerra contra o terrorismo.
De acordo com várias autoridades, a CIA fez um grande esforço para recrutar alguns espiões entre os prisioneiros, oferecendo ajuda para tirá-los de Guantánamo e mandá-los de volta a seus países -em troca, receberia informações sobre atividades de militantes. O sucesso desses esforços é desconhecido. Bill Harlow, porta-voz da CIA, se recusou a comentar o assunto. O que se sabe, no entanto, é que os EUA soltaram alguns presos perigosos.
Autoridades afirmam que fizeram exames cuidadosos sobre os 146 presos que foram libertados, incluindo os 16 que tiveram sua custódia transferida para os governos dos países de sua origem. Ainda assim, pelo menos alguns sérios erros já foram cometidos.
Relatos de autoridades afegãs e americanas indicam que pelo menos cinco dos 57 prisioneiros afegãos soltos retornaram aos campos de batalha do Taleban. Alguns dos cinco se envolveram em novos ataques contra americanos, dizem autoridades do sul do Afeganistão -incluindo Mullah Shahzada, um comandante taleban que teria sido morto recentemente. "Eles estão lutando de novo e matando gente", disse Khan Muhammad, o militar afegão mais graduado na região.


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