São Paulo, domingo, 22 de julho de 2001

Próximo Texto | Índice

Donas-de-casa lutam por seus direitos


Norte-americanas exigem que os anos passados cuidando dos filhos ou de parentes idosos sejam contabilizados na hora de sua aposentadoria


MARIA BRANT
DA REDAÇÃO

Mulheres americanas estão reivindicando "créditos de serviço familiar". Elas querem que os anos que passam em casa cuidando de filhos e pais idosos sejam contabilizados na hora da aposentadoria, à semelhança do que já ocorre em vários países europeus (veja quadro abaixo).
No Brasil, a Constituição de 1988 reconheceu o direito da dona-de-casa de se aposentar, mas o benefício é pouco utilizado (leia texto à pág. A-16).
A exigência das americanas foi impulsionada principalmente pela situação das mulheres que têm hoje mais de 60 anos, parte da chamada "geração sanduíche".
Elas se casaram em uma época em que a prática mais comum era que se parasse de trabalhar após o casamento ou o nascimento do primeiro filho e, ao mesmo tempo, foram afetadas pelo aumento no número de divórcios. Em 1998, pela primeira vez, a porcentagem de mulheres divorciadas nessa faixa etária (14,4%) ultrapassou a de viúvas (13,2%).
Hoje, mulheres de mais de 65 anos têm renda anual média de US$ 15 mil, metade da dos homens da mesma faixa etária.
Para garantir a sobrevivência depois da aposentaria, os americanos contam com o sistema de previdência social governamental, mas suas principais fontes de renda são, geralmente, a poupança privada e os planos de aposentadoria empresarial. O sistema de previdência do governo não reconhece o trabalho de donas-de-casa para fins de aposentadoria. Elas só podem contar, portanto, com poupanças privadas ou parte dos benefícios de seus maridos. Mulheres que tenham permanecido casadas por mais de dez anos têm direito à metade da quantia paga pelo sistema de seguridade social a seus ex-maridos. Mas, se não fizerem um acordo na hora da separação, perdem o direito às poupanças e aos planos empresariais.
Muitas acabam tendo de entrar no mercado de trabalho para sobreviver. Mesmo assim, por começarem a trabalhar tarde, várias nunca atingem o tempo mínimo necessário para recolher a aposentadoria empresarial.
"Tive muita sorte", diz Constance Bennett, 74, de Greensboro, Carolina do Norte. "Voltei a trabalhar quando ainda era casada."
Constance começou a trabalhar aos 15 anos, mas parou após se casar, dois anos depois. Aos 47 anos, depois que seus filhos já estavam no colegial, ela resolveu voltar a trabalhar e arrumou um emprego no serviço postal americano.
"Doze anos depois, eu e meu marido nos divorciamos. Se não tivesse trabalhado desde aquela época, não sei como sobreviveria hoje. Consegui me aposentar aos 65 anos porque trabalhei por 18 anos e recebi uma pequena herança de minha mãe, mas muitas mulheres que conheço não podem se dar a esse luxo."
Segundo Catherine Hill, 38, diretora do Instituto de Pesquisas de Políticas para a Mulher, com sede em Washington, "para 25% das mulheres não-casadas (viúvas, divorciadas, separadas ou que nunca se casaram) de mais de 65 anos, a seguridade social é sua única fonte de renda. Sem ela, mais de 50% das mulheres dessa faixa etária estariam abaixo da linha de pobreza".
Uma das propostas do instituto para diminuir a desigualdade entre homens e mulheres na hora da aposentadoria é a criação de um "crédito de serviço familiar", no modelo europeu, a ser oferecido a mulheres que deixam a força de trabalho para tomar conta de crianças pequenas ou de parentes idosos. Elas teriam direito a receber benefícios de aposentadoria como se tivessem trabalhado e pago impostos durante o tempo em que ficaram em casa.
A proposta é apoiada por outros grupos, como a organização Feminist Majority.
"Se os homens que lutaram na Segunda Guerra Mundial puderam receber créditos de previdência social por seus serviços ao país, por que as mulheres que servem o país tomando conta de seus filhos e de pais idosos não podem receber créditos de seguridade social?", questiona a organização em um documento de 99.

Privatização
A vitória de George W. Bush nas eleições dos EUA fez com que alguns grupos de defesa da mulher passassem a enfatizar o combate à privatização do sistema de seguridade social -plataforma de Bush durante sua campanha.
Segundo Lisa Maatz, diretora-adjunta da Liga das Mulheres Idosas dos EUA, com sede em Washington, "há várias mudanças que devem ser feitas no sistema de previdência, e uma delas é seguir o exemplo de países como a Noruega, mas agora temos de nos concentrar em impedir que ele seja privatizado".
Lisa diz que a privatização prejudicaria ainda mais as mulheres que dependem exclusivamente do sistema de seguridade social. "Nosso sistema não é ideal, mas foi muito bem-sucedido no combate à pobreza. Não podemos deixar que seja desmantelado e passe para as mãos de empresas privadas, cujo objetivo não é combater a pobreza, mas ter lucros."


Próximo Texto: Questão requer mais debate, afirma especialista
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.