São Paulo, segunda-feira, 22 de julho de 2002

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BIG BROTHER

Para críticos, medida fere liberdades civis; até 4% da população fará parte da operação para delatar suspeitas de terror

Cidadãos espiarão para o governo americano

Reuters
O presidente George W. Bush saúda jornalistas na Casa Branca após retornar de Camp David


JAVIER DEL PINO
DO "EL PAÍS"

A partir de agosto, um em cada 25 cidadãos norte-americanos espionará para o governo em dez cidades dos Estados Unidos. Posteriormente, a operação será ampliada. O Departamento de Justiça pretende recrutar como delatores milhões de trabalhadores.
Segundo informações publicadas pelo governo em seu site na internet, as empresas interessadas em que seus funcionários participem do programa receberão guias para explicar como funcionará a operação.
A missão deles é simples: discar para um número de telefone do governo se virem "algo suspeito" durante o trabalho. A operação já está sendo comparada pelos críticos às medidas utilizadas na União Soviética e também ao macarthismo.
O governo americano, seguindo a doutrina de colaboração cidadã defendida pelo presidente George W. Bush em seu discurso sobre o Estado da União, quer converter milhões de cidadãos em delatores das forças de segurança. Os trabalhadores, especialmente os que fazem serviços em domicílios, deverão avisar as autoridades caso vejam algo suspeito.
Para os que temiam que os atentados de 11 de setembro afetassem as liberdades civis, a operação, denominada Tips, é o pior exemplo porque na prática constitui uma invasão da privacidade domiciliar sem ordem judicial. "Pode-se acabar em uma base de dados antiterrorista simplesmente por que seu vizinho fica irritado com os latidos de seu cão", afirma o senador democrata Patrick Leahy, que compara o plano com os piores episódios da repressão soviética.
Ele se pergunta "como é possível que o FBI (polícia federal dos EUA), que não tinha descoberto que haviam extremistas islâmicos aprendendo a pilotar aviões, agora queira levar em conta informações dadas por pessoas que vão a uma casa ler o relógio de gás".

"Espiões civis"
Vários advogados de defesa das liberdades individuais afirmam que o plano pode chegar a empregar como "espiões civis" a cerca de 4% da população, um percentual de informantes superior ao da polícia secreta da Alemanha Oriental. Não foi divulgado se haverá remuneração por informações concedidas.
Outro congressista democrata, Dennis Kucinich, ironiza e propõe uma solução mais fácil: "Se cada um dos espiões fizer uma delação por dia, em poucos dias todos seremos suspeitos. Então poderemos colocar uma cerca metálica que feche o país e ficaremos todos seguros".
"Esse é mais um dado alarmante de que o governo está buscando intimidar as pessoas e cortar as liberdades civis ao pedir que os cidadãos se tornem delatores", diz Marjorie Cohn, professora da Thomas Jefferson School of Law, em San Diego (Califórnia).

Olhares suspeitos
É suspeito um árabe pelo simples fato de ser árabe? Merece ser detido um imigrante que for visto lendo o alcorão?
Darius Firouzgar é professor de tênis em Washington. Nasceu no Irã, embora tenha sido criado na Europa antes de se mudar para os EUA. Tem um aspecto tipicamente americanizado, sempre com um boné na cabeça, vestindo bermudas e guiando um Lexus. Mas não pode esconder sua origem muçulmana, nem a cor escura de sua pele.
Desde os atentados de 11 de setembro, ele já se acostumou que o olhem com ressalvas. Mas agora brinca com seus amigos e se apresenta como o "Darius, do eixo do mal". Tal é o nível de paranóia, que até mesmo árabes o olham com suspeita nas ruas, diz.
Os EUA enfrentam hoje o que se denomina como "racial profiling" no país, algo que pode ser definido como uma pré-disposição da sociedade ou das forças de segurança a determinar que alguém entre na categoria de suspeito apenas devido à sua origem racial. Isso pode ser observado em vários episódios, como o recente comportamento de um policial de Los Angeles que agrediu um negro em um posto de gasolina.
Após o 11 de setembro, qualquer árabe sabe que viajar em um avião é um tormento, pois as pessoas os observam com suspeitas.
Se em vez de um, viajam dois, o atraso no vôo está garantido. A cor da pele fez com que Samyuktha Verma fosse detida por cinco horas em Nova York por suspeita de terrorismo, apesar de ela ser uma das grandes estrelas do cinema indiano.
"No supermercado, sempre tem alguém que fica me olhando, e não é por minha beleza", brinca o professor de tênis Firouzgar, que ainda está convencido de que a sociedade americana é muito mais aberta e tolerante do que seus dirigentes. "Poderemos acabar em uma lista [de terroristas" se o homem que conserta a antena de TV não gostar dos livros de nossa estante", acrescenta.


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