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São Paulo, terça-feira, 22 de julho de 2003

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REINO UNIDO

Morte de assessor do governo abala credibilidade e apoio ao premiê; 41% crêem que ele deva ficar no cargo

39% dos britânicos querem queda de Blair

Stefan Rousseau/Associated Press
O premiê Tony Blair e sua mulher, Cherie, visitam a instalação "Campo Asiático", do artista britânico Anthony Gormley, em Pequim


MARIA LUIZA ABBOTT
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DE LONDRES

Pesquisa divulgada ontem no Reino Unido mostrou que 39% dos britânicos crêem que o premiê Tony Blair deva renunciar.
É o sinal mais evidente até aqui dos graves danos à popularidade e à credibilidade do premiê trabalhista causados pela morte de David Kelly, 59, o cientista do Ministério da Defesa que seria fonte de uma reportagem da BBC, e pela própria briga do governo com a rede de rádio e TV estatal. A BBC acusou o governo de ter "tornado mais sexy" um dossiê para justificar a guerra contra o Iraque.
A pesquisa, feita pelo instituto YouGov após a morte de Kelly para o jornal conservador "The Daily Telegraph", mostrou ainda que 41% pensam que Blair deve ficar no governo. Já 68% acham que, no geral, o governo não foi honesto e confiável no episódio.
Uma outra pesquisa, divulgada na edição de hoje do jornal "The Guardian", mostra que 54% dos britânicos não estão contentes com Blair, contra apenas 37% que se dizem satisfeitos. A diferença subiu de 7 pontos, durante a Guerra do Iraque, para 17 pontos.
O corpo de Kelly foi encontrado na sexta-feira, e o caso está sendo tratado como suicídio.Três dias antes, ele tinha prestado depoimento no Comitê de Assuntos Estrangeiros do Parlamento britânico para confirmar se era a principal fonte da reportagem. O nome dele tinha vazado do próprio Ministério da Defesa, e ele se queixara do tratamento recebido das autoridades. Há suspeitas de que a máquina pública tenha sido acionada para descobrir o informante e proteger a cúpula do governo.
Segundo a família, o estresse causado pelo caso pode ter levado o reservado Kelly ao suicídio.
A pesquisa do YouGov mostrou que 71% dos britânicos acham que foi um erro o vazamento do seu nome, 47% culpam o governo pela morte e 65% crêem que o todo-poderoso diretor de Comunicações de Blair, Alastair Campbell, um dos pivôs da briga com a BBC, deva deixar o cargo. Para 59%, a opinião que tinham sobre Blair caiu depois do episódio.
Eleito pela primeira vez em 1997 e com mandato até 2006, Blair já vinha sofrendo desgaste por seu apoio à Guerra do Iraque, que teve forte oposição popular.
Para um premiê ser deposto, o Parlamento precisa aprovar uma moção de desconfiança contra ele ou o seu partido deve afastá-lo de sua liderança. O novo líder do partido se tornaria o novo premiê. Apesar de a ala esquerda do trabalhismo criticar Blair, o partido tem uma maioria folgada no Parlamento (419 das 658 cadeiras).
Até agora, nenhuma dessas alternativas é considerada seriamente por analistas, mas os resultados do inquérito sobre a morte de Kelly podem mudar isso. Por ora, para o analista Peter Preston, os pedidos para a saída do premiê ainda não são "substanciais".
"Tudo isso é bastante danoso ao premiê, mas essas crises têm acontecido no mês de julho, nos últimos anos, antes das férias", disse Preston à Folha. Nesse período, o país praticamente pára por causa do verão europeu, e o Parlamento fica em recesso até setembro. "Quando todos voltam, as coisas estão mais calmas. Desta vez, haverá um relatório provisório [do juiz que está comandando o inquérito], e isso vai definir para onde o caso todo irá", afirmou.
Ontem, em um gesto de independência em relação ao governo, o juiz que presidirá o inquérito, Lorde Hutton, disse que vai decidir "quais assuntos serão objeto" da investigação. A oposição conservadora e liberal-democrata e integrantes da ala mais à esquerda do Partido Trabalhista querem que o inquérito investigue também o uso pelo governo das informações de inteligência.
Entre os que querem essa ampliação estão ex-integrantes do primeiro escalão na administração Blair, como Robin Cook (leia texto abaixo), Glenda Jackson e Clare Short. Ontem, em entrevista ao programa "Today" da BBC, de grande influência e que foi o primeiro a divulgar os problemas sobre o dossiê contra o Iraque, Clare Short, ex-ministra que, como Cook, renunciou por não concordar com a guerra, disse que a disputa com a BBC era apenas uma "cortina de fumaça". Para ela, a briga impede que as razões pelas quais o país apoiou os EUA sejam efetivamente discutidas.
O premiê, que está em viagem pela Ásia, prometeu total cooperação com o inquérito e negou a possibilidade de renúncia. Em Londres, sua assessoria disse que caberá ao juiz determinar quem do governo será ouvido no inquérito para esclarecer "as circunstâncias" da morte de Kelly.
Lorde Hutton, 72, disse ontem que a maior parte do inquérito será pública. Ele é um dos mais respeitados juízes do Reino Unido. Já participou de casos difíceis, como o processo de extradição do ex-ditador do Chile Augusto Pinochet, em 1999.


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