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"EUA cometeram no Líbano mesmo erro que no Iraque"
Para Francis Fukuyama, Bush insistiu na abordagem militar para um problema político
Filósofo diz que violação de direitos civis em prol da luta antiterror aproxima os
EUA das ditaduras latino-americanas dos anos 70
CAROLINA VILA-NOVA
DA REDAÇÃO
Ao adiar um posicionamento
sobre a guerra no Líbano, o governo do presidente George W.
Bush incorreu no mesmo erro
de cálculo que cometeu no Iraque: imaginou que, ganhando
tempo, Israel destruiria o Hizbollah e assim resolveria militarmente um problema político. Agora ambos, Israel e EUA,
se vêem diante de uma situação
de fracasso perante um oponente militarmente inferior.
A análise é do célebre filósofo
americano Francis Fukuyama,
um dos papas do neoconservadorismo, que se voltou contra
muitos dos preceitos que defendia. Nesta semana, ele lança
no Brasil "O dilema americano
- Democracia, poder e o legado
do neoconservadorismo", pela
editora Rocco. Leia a seguir os
principais trechos de sua entrevista à Folha.
FOLHA - Depois do fracasso americano no Iraque, ainda é razoável defender uma ação unilateral e preventiva na cena internacional?
FRANCIS FUKUYAMA - Parte do argumento do meu livro é que isso já não era certo desde o início. Mas o que aconteceu no
Iraque salientou o fato de que
mesmo para a única superpotência mundial é difícil usar seu
poder de modo eficaz para atingir os fins políticos que deseja.
Os EUA são tão mais poderosos
em termos militares, econômicos e políticos que qualquer outro país e ainda assim não conseguem controlar os resultados
políticos nesse pequeno país.
De certa maneira, a guerra no
Líbano é mais um exemplo disso. Israel obviamente tem uma
superioridade militar sobre todos os seus vizinhos. Mas não
consegue controlar os eventos
nessa pequena faixa de território de algumas dezenas de quilômetros na sua fronteira.
FOLHA - Esse fracasso e o subseqüente aumento do antiamericanismo exigem uma revisão dos princípios de política externa de Bush?
FUKUYAMA - Sim, e é precisamente a razão por que escrevi
esse livro. Os EUA precisam de
um tipo bastante distinto de
política externa. Muitos dos
pensadores neoconservadores
cujas idéias foram importantes
para o governo Bush achavam
que os EUA usariam seu poder
de maneira benevolente para
lidar com terrorismo, armas de
destruição em massa e violações de direitos humanos e que
seriam vistos com legitimidade
pelo resto do sistema internacional mesmo se inicialmente
as pessoas não concordassem
com sua política. E agora parece bem claro que isso não funciona, que as pessoas não legitimam o uso que os EUA fazem
do poder. Além disso, esse poder é exercido de maneira pouco competente, então é muito
difícil dizer "confiem nos EUA
para lidar com esse problema"
se os EUA têm tido tantos problemas para executar e atingir
os objetivos que estabelecem.
FOLHA - O que saiu errado no Iraque? Os EUA foram otimistas demais em pensar que poderiam mudar um regime pela via militar?
FUKUYAMA - É uma variedade
de coisas. O próprio conceito da
guerra não foi correto e, mesmo com uma melhor execução,
não acho que eles teriam tido
sucesso, porque as condições
para a estabilidade, e muito
menos para a democracia, não
existiam naquele país. Havia
diferenças étnicas e religiosas
muito sérias, havia todo o legado do regime totalitário, que
deixou o país sem uma elite política que poderia administrar
uma transição para um novo tipo de governo. Mas os EUA aumentaram o problema com sua
total falta de planejamento para o difícil período do pós-guerra, e isso se deveu a considerações extremamente otimistas.
FOLHA - O Irã tem de responder
amanhã (hoje) se aceita o pacote de
incentivos da comunidade internacional ou se continua seu programa
nuclear. O sr. considera improvável
que os EUA entrem em uma guerra
preventiva contra o Irã e também
relembra a ineficácia das sanções
contra o Iraque. Qual seria a saída?
FUKUYAMA - Infelizmente, não
tenho certeza de que exista
uma boa saída. Algumas pessoas esperam que seja possível
mudar o regime sem uma guerra, por meio do uso de grupos
dissidentes ou pró-democracia,
mas na situação atual isso não
teria muito êxito. Mesmo o governo Bush não está muito entusiasmado com a idéia de começar uma operação militar
contra o Irã. Eles esperavam
que a guerra no Líbano punisse
o Hizbollah e assim freasse os
iranianos, mas isso não funcionou. Uma possibilidade é simplesmente continuar com esse
jogo, tentar manter vivo algum
tipo de processo político e esperar que eventualmente o regime caia.
FOLHA - Os EUA e a ONU foram criticados por não agirem mais rapidamente em relação ao Líbano. Eles
poderiam ter agido antes, e como?
FUKUYAMA - O governo americano poderia ter agido antes,
mas não quis porque queria dar
a Israel tempo suficiente para
destruir o Hizbollah. Por isso,
deliberadamente freou o cessar-fogo. Em parte isso foi em
apoio a Israel mas também se
baseou no mesmo erro intelectual que ele cometeu no Iraque,
de pensar que o poderio militar
poderia resolver o problema
político do poder do Hizbollah
no sul e que seria apenas uma
questão de tempo para que o
Exército de Israel destruísse a
organização e mudasse o balanço de poder no Líbano, o que
obviamente não aconteceu.
Quanto à ONU, não é realmente culpa dela. O fato de o
cessar-fogo demorar até agora
era porque não havia um acordo. Essas coisas requerem que
as partes envolvidas sejam convencidas de que não têm mais
opções militares. E mesmo agora isso não está claro. É um cessar-fogo frágil, e há várias maneiras de imaginar que a guerra
possa recomeçar, porque os israelenses estão muito insatisfeitos com o resultado, o Hizbollah foi atingido mas não derrotado, e é muito difícil que essa
força internacional de paz tenha força suficiente para conseguir uma estabilidade de longo prazo.
FOLHA - O sr. diz que a maior
ameaça na questão do radicalismo
islâmico não está no Oriente Médio,
mas na juventude alienada e em
busca de identidade em lugares como Londres e Madri. Como essa
ameaça pode ser "neutralizada"?
FUKUYAMA - É uma questão difícil. Em última instância, o
grande problema é que a maioria dos países europeus não é
muito boa em integrar pessoas
e comunidades de imigrantes
muito diversas e de várias raízes culturais. Isso é algo enraizado culturalmente, há um
senso de pertinência que é muito mais baseado na etnicidade e
na experiência histórica compartilhada na Europa do que
em outras partes do mundo.
Isso é uma coisa que vai depender do trabalho dos europeus de integração, de dar trabalho a essas pessoas e fazê-las
sentir que fazem parte de uma
sociedade maior. Por outro lado, eles cometeram o erro de
ser tolerantes demais com grupos extremistas sob o argumento de um multilateralismo
que também não funcionou e
prejudicou a integração.
FOLHA - Que balanço pode haver
entre a luta antiterrorista e a proteção de direitos civis?
FUKUYAMA - É difícil responder
isso em termos abstratos. Os
EUA provavelmente foram
longe demais ao dar ao governo
poder... na verdade, definitivamente foram longe demais,
com o abuso de prisioneiros,
detenções sem o devido processo. Esse é um problema que
ocorreu por toda a América Latina nos anos 70, onde, sob o argumento de lutar contra o terrorismo, foram suspensos todos os tipos de liberdades civis.
É muito decepcionante que os
EUA estejam praticando esse
tipo de comportamento.
NA INTERNET - Leia a íntegra
na Folha Online
www.folha.com.br/062332
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