São Paulo, domingo, 22 de outubro de 2000

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A VISÃO ISRAELENSE
Chanceler interino pede contraproposta palestina
Violência é resultado da frustração com Arafat

FERRAN SALES
DO "EL PAÍS"

O ministro do Interior e chanceler interino de Israel, Shlomo Ben Ami, 56, tem uma tarefa duplamente difícil: impulsionar o processo de paz e tratar de reprimir uma revolta palestina que já deixou mais de cem mortos.
Ele diz que a violência é fruto da frustração com Iasser Arafat, tanto do lado israelense quanto do lado palestino, e faz um pedido ao líder palestino: "Em vez de orquestrar toda essa onda de violência, faça-nos uma contraproposta".
O paradoxo de Ben Ami -um judeu nascido em Tânger (Marrocos) que migrou para Israel quando tinha 12 anos de idade, licenciado em língua e literatura hebraicas, pedagogia e história, professor da Universidade de Tel Aviv- é um dos mais difíceis quebra-cabeças colocados hoje no Oriente Médio.
O ministro, que afirma acreditar que Israel esteja fazendo uso abusivo da força para conter a violência palestina, disse que não sabia que o líder da oposição conservadora, Ariel Sharon, iria visitar o Monte do Templo (Esplanada das Mesquitas, para os muçulmanos), o que os palestinos identificam como o estopim dos conflitos. Afirma, porém, que "o líder da oposição não tem porque pedir permissão para visitar uma zona de litígio".

Pergunta - O sr. pode ir mais além da frente de batalha e analisar as causas da revolta palestina?
Shlomo Ben Ami -
Não desvalorizo os interesses dos palestinos. Respeito suas reivindicações por sua terra e sua firme determinação de atingir seus objetivos. Mas considero que parte dessa violência é fruto da frustração gerada pela própria Autoridade Nacional Palestina.
Sou incapaz de traçar uma linha que fosse capaz de delimitar a frustração originada por Arafat daquela gerada por Israel. Mas digo que 98% da população palestina está sob o controle da autoridade de Arafat.
Há alguns dias, escutei um manifestante gritar: "A paz só existe para os que têm o estômago cheio. Para nós não". Assim, com poucas palavras, estabelecia uma divisão entre os que estão se beneficiando do processo de paz, devido à natureza da Autoridade Nacional Palestina, e aqueles que sofrem, o povo faminto.
Não irei muito mais longe em minha análise. Mas será que alguém impediu Arafat de converter os milhões de dólares que recebeu da comunidade internacional em benefício de seu povo?

Pergunta - Passada a onda de violência, o sr. crê que será possível retomar as negociações no mesmo ponto em que estavam no mês de julho, em Camp David?
Ben Ami -
Negociamos com eles em Camp David e lhes fizemos uma oferta razoável. Mas eles preferiram fazer gestos de desaprovação e acabaram rumando para uma guerra.
Devo fazer uma recomendação a Iasser Arafat: em vez de orquestrar toda essa onda de violência, faça-nos uma contraproposta.
Em todo caso, Camp David será sempre uma referência. Será muito difícil voltar atrás sem esse legado. Estou orgulhoso que a União Européia, na cúpula celebrada em Biarritz, tenha dado seu apoio à plataforma de Camp David como ponto de partida para futuras negociações.

Pergunta - Contudo vocês não se cansam de dizer sempre que Arafat não é o sócio adequado para o processo de paz, tratando sempre de desautorizá-lo.
Ben Ami -
Inicialmente deveríamos definir a palavra sócio. Arafat é o líder do povo palestino, presidente da Autoridade Nacional Palestina. Mas nós temos sérias dúvidas de que Arafat esteja disposto a alcançar um acordo com Israel. Fomos a Camp David com ele. Negociamos. Continuamos negociando. Agora estamos no meio de uma explosão de violência.
Estes dias escutamos alguns palestinos envolvidos nos acontecimentos, como Marwan Barghouti (chefe da milícia armada da Fatah), dizerem que a Intifada continuará até que Israel seja expulso dos territórios e que o direito dos refugiados ao retorno seja garantido. Essa é sua posição. Agora nos perguntamos se Arafat é um parceiro válido para as negociações de paz.
Eles estão atuando da mesma maneira que o Hizbollah, a guerrilha fundamentalista libanesa.

Pergunta - Existem queixas e condenações feitas pela comunidade internacional a respeito do que está acontecendo no campo de batalha. O sr. crê que Israel tenha feito uso abusivo da força militar em sua luta contra a violência palestina?
Ben Ami -
Essa é uma pergunta difícil de responder. Posso dar uma resposta automática como ministro israelense: sim.
Mas a realidade é muito mais complicada. O que podemos fazer se temos um bairro de Israel (Guilo, em Jerusalém) sendo atacado de um vilarejo palestino vizinho? O comando do Exército nos diz que a melhor maneira de repelir os ataques é o uso dos helicópteros.
Todo o bairro está em perigo, e nós, como governo, temos somente uma obrigação: dar-lhe proteção. Chega um momento em que somos obrigados a usar os helicópteros, porque não há nenhuma outra opção. Seria isso uso excessivo da força? Utilizamos os helicópteros contra posições, não contra pessoas.

Pergunta - Mas é nítida a desproporção entre mortos israelenses e palestinos.
Ben Ami -
Quando há uma combinação de milícia armada, polícia disparando contra ela e gente movendo-se no meio das duas, o Exército tem dificuldades para atuar. Essa combinação é única. É um coquetel explosivo, típico do Oriente Médio. Para qualquer resposta que dermos, estaremos sempre por um fio, ela poderá ser criticada e qualificada como uso abusivo da força.

Pergunta - Quando será definitivamente levantado o bloqueio dos territórios autônomos palestinos estabelecido pelo Exército de Israel?
Ben Ami -
Existem dois tipos de bloqueio: o exercido entre cidades palestinas e o estabelecido entre Israel e os territórios autônomos. O primeiro já suspendemos. O segundo depende da ameaça de ataques terroristas.
Os palestinos soltaram da prisão alguns, digo, muitos terroristas do Hamas e da Jihad Islâmica nos últimos dias.
O bloqueio está diretamente vinculado e condicionado a uma nova detenção desses elementos radicais. Israel encontra-se em estado de alerta frente uma possível nova onda de atentados.
A política dos bloqueios não é nova e já foi feita no passado, sem Intifada alguma. Inclusive já foi feita em alguns casos com a cumplicidade da Autoridade Nacional Palestina.

Pergunta - O sr. ou o seu ministério (o do Interior) deu permissão para que o líder do partido nacionalista Likud, Ariel Sharon, visitasse o Monte do Templo, o que é considerado pelos árabes como o estopim da violência?
Ben Ami -
Naquele momento eu estava nos Estados Unidos. O governo também não foi responsável por nenhuma decisão a respeito do caso.
Deve-se entender que o líder da oposição não tem porque pedir permissão ao primeiro-ministro para visitar uma zona de litígio. Por um acaso William Hague (líder conservador britânico) tem de pedir permissão a Tony Blair para visitar Gibraltar?



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