São Paulo, domingo, 22 de outubro de 2000

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MULTIMÍDIA
Le Monde - de Paris
Militante, TV do Hizbollah cresce no Líbano e cativa os palestinos

JOSÉ-ALAIN FRALON

LÍBANO - Tudo aqui exala calma, ordem e serenidade. No entanto esse escritório no bairro xiita de Beirute abriga uma arma vista como uma das mais eficientes do combate contra Israel: a emissora de televisão do Hizbollah, a Manar (farol). Quando ela foi criada, em 1991, atingia apenas alguns bairros periféricos de Beirute, e poucas pessoas devem ter imaginado que, nove anos depois, já seria vista por quase 20% dos libaneses. Desde maio passado autorizada a transmitir seus programas via satélite, a Manar hoje é vista em todo o mundo árabe e parte da Europa. Alguns indícios mostram que já seria uma das redes de TV favoritas dos palestinos. Diante das reações favoráveis recebidas pela comunidade muçulmana européia, seus dirigentes já pensam em produzir versões de seus programas em inglês e francês.
Como se explica esse sucesso? "Falamos diretamente com as pessoas do mundo árabe, sem pressão, e lhes damos a oportunidade de se expressar", responde Nayef Krayem, o jovem (36 anos) diretor-geral da emissora. Reconhecível, como todos os altos funcionários do Hizbollah, por sua barba cuidadosamente aparada, suas roupas elegantes e sua calma aparente, esse engenheiro agrônomo convertido em jornalista em 1993 acrescenta: "A vitória arrasadora que conquistamos no sul do Líbano é outra razão de nosso sucesso". Os acontecimentos das últimas semanas também inflaram a audiência da Manar, que hoje fica no ar por satélite 18 horas por dia, em lugar das cinco inicialmente previstas.
Basta assistir à emissora do Hizbollah por algumas horas para compreender a sutil mistura de gêneros que faz sua originalidade. Assim, no dia 17 de outubro, no final da manhã, a Manar, assim como televisões do mundo inteiro, divulgou os resultados da cúpula de Sharm al Sheikh. Envolvida em seu véu islâmico, a apresentadora do jornal deu o tom: "Um acordo que tem por objetivo parar a Intifada". A seguir, foi feita uma apresentação -apesar de tudo, razoavelmente objetiva- das declarações dos participantes. Depois disso, uma entrevista com um dos líderes do Hamas, que insistiu no caráter "vago, indefinido" do acordo selado no Egito.
Após uma reportagem sobre a viagem do presidente sírio à Arábia Saudita, um curto intervalo comercial apresentou anúncios de uma editora e de legumes em conservas. A publicidade é uma das cinco fontes de financiamento da Manar, ao lado da venda de programas infantis aos países do golfo Pérsico, da locação de estúdios a outras emissoras, da venda de programas ao Irã e, nas palavras do próprio Nayef Krayem, "da publicidade privada do Hizbollah".
Excetuando o anúncio de um confronto em Belém entre militantes palestinos e as "forças de ocupação", o restante do jornal é anódino: sessão do Parlamento, relatório do banco central etc. Depois disso, o tom muda repentinamente. Ao som de uma música fúnebre, um spot mostra uma estrela de Davi se cobrindo do sangue dos corpos feridos de jovens palestinos. A música muda para o tecno para anunciar uma futura mesa-redonda sobre "religião e vida".
Essa passagem permanente entre militantismo -ou mesmo fanatismo- e profissionalismo, entre diversão e ativismo, é sem dúvida alguma a receita mágica da Manar. A emissora já conseguiu algumas belas proezas de mídia, uma das quais a de filmar ao vivo algumas ações diretas dos militantes do Hizbollah contra as forças israelenses. "Essas reportagens fortaleceram o prestígio do Hizbollah e, ao mesmo tempo, a credibilidade da emissora, vista como aquela que mostra os fatos e não mente", comenta um jornalista libanês. Outra especialidade da emissora: os chamados debates. Embora Nayef Krayem afirme que "todo mundo pode vir aos nossos estúdios, excetuando os israelenses", está claro que o leque de opiniões representadas não é muito amplo. Apesar disso, as perguntas dos mediadores conferem aos debates uma aparência de confronto de idéias.
Profissionais ou militantes? Nayef Krayem responde: "Procuramos ser profissionais em nosso engajamento. Mas é claro que, antes de mais nada, estamos engajados numa causa: a resistência contra a ocupação israelense. Se profissionalismo significa neutralidade, então não queremos ser profissionais, pois tomamos partido claro nessa batalha".
A composição da programação é sintomática: 30% do tempo de transmissão da emissora é dedicado à política, 20% à cultura e religião, 10% às crianças, 10% ao esporte, 20% a filmes e 10% à publicidade.
Dos dois últimos telefilmes transmitidos, um contava a história da luta síria contra os franceses em 1940, e o outro, a revolta dos libaneses em 1920, também contra os franceses.
Único momento de objetividade pura: um documentário sobre animais. O programa de terça-feira era sobre a fauna do norte dos Estados Unidos. Título: "América Selvagem".


Tradução de Clara Allain



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