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MULTIMÍDIA
Le Monde - de Paris
Militante, TV do Hizbollah cresce
no Líbano e cativa os palestinos
JOSÉ-ALAIN FRALON
LÍBANO - Tudo aqui exala calma, ordem e serenidade. No entanto esse escritório no bairro xiita de Beirute abriga uma arma vista como uma das mais eficientes
do combate contra Israel: a emissora de televisão do Hizbollah, a
Manar (farol). Quando ela foi
criada, em 1991, atingia apenas alguns bairros periféricos de Beirute, e poucas pessoas devem ter
imaginado que, nove anos depois,
já seria vista por quase 20% dos libaneses. Desde maio passado autorizada a transmitir seus programas via satélite, a Manar hoje é
vista em todo o mundo árabe e
parte da Europa. Alguns indícios
mostram que já seria uma das redes de TV favoritas dos palestinos. Diante das reações favoráveis
recebidas pela comunidade muçulmana européia, seus dirigentes
já pensam em produzir versões de
seus programas em inglês e francês.
Como se explica esse sucesso?
"Falamos diretamente com as
pessoas do mundo árabe, sem
pressão, e lhes damos a oportunidade de se expressar", responde
Nayef Krayem, o jovem (36 anos)
diretor-geral da emissora. Reconhecível, como todos os altos funcionários do Hizbollah, por sua
barba cuidadosamente aparada,
suas roupas elegantes e sua calma
aparente, esse engenheiro agrônomo convertido em jornalista
em 1993 acrescenta: "A vitória arrasadora que conquistamos no
sul do Líbano é outra razão de
nosso sucesso". Os acontecimentos das últimas semanas também
inflaram a audiência da Manar,
que hoje fica no ar por satélite 18
horas por dia, em lugar das cinco
inicialmente previstas.
Basta assistir à emissora do Hizbollah por algumas horas para
compreender a sutil mistura de
gêneros que faz sua originalidade.
Assim, no dia 17 de outubro, no final da manhã, a Manar, assim como televisões do mundo inteiro,
divulgou os resultados da cúpula
de Sharm al Sheikh. Envolvida em
seu véu islâmico, a apresentadora
do jornal deu o tom: "Um acordo
que tem por objetivo parar a Intifada". A seguir, foi feita uma apresentação -apesar de tudo, razoavelmente objetiva- das declarações dos participantes. Depois
disso, uma entrevista com um dos
líderes do Hamas, que insistiu no
caráter "vago, indefinido" do
acordo selado no Egito.
Após uma reportagem sobre a
viagem do presidente sírio à Arábia Saudita, um curto intervalo
comercial apresentou anúncios
de uma editora e de legumes em
conservas. A publicidade é uma
das cinco fontes de financiamento
da Manar, ao lado da venda de
programas infantis aos países do
golfo Pérsico, da locação de estúdios a outras emissoras, da venda
de programas ao Irã e, nas palavras do próprio Nayef Krayem,
"da publicidade privada do Hizbollah".
Excetuando o anúncio de um
confronto em Belém entre militantes palestinos e as "forças de
ocupação", o restante do jornal é
anódino: sessão do Parlamento,
relatório do banco central etc. Depois disso, o tom muda repentinamente. Ao som de uma música
fúnebre, um spot mostra uma estrela de Davi se cobrindo do sangue dos corpos feridos de jovens
palestinos. A música muda para o
tecno para anunciar uma futura
mesa-redonda sobre "religião e
vida".
Essa passagem permanente entre militantismo -ou mesmo fanatismo- e profissionalismo,
entre diversão e ativismo, é sem
dúvida alguma a receita mágica
da Manar. A emissora já conseguiu algumas belas proezas de
mídia, uma das quais a de filmar
ao vivo algumas ações diretas dos
militantes do Hizbollah contra as
forças israelenses. "Essas reportagens fortaleceram o prestígio do
Hizbollah e, ao mesmo tempo, a
credibilidade da emissora, vista
como aquela que mostra os fatos e
não mente", comenta um jornalista libanês. Outra especialidade
da emissora: os chamados debates. Embora Nayef Krayem afirme
que "todo mundo pode vir aos
nossos estúdios, excetuando os israelenses", está claro que o leque
de opiniões representadas não é
muito amplo. Apesar disso, as
perguntas dos mediadores conferem aos debates uma aparência
de confronto de idéias.
Profissionais ou militantes? Nayef Krayem responde: "Procuramos ser profissionais em nosso
engajamento. Mas é claro que, antes de mais nada, estamos engajados numa causa: a resistência
contra a ocupação israelense. Se
profissionalismo significa neutralidade, então não queremos ser
profissionais, pois tomamos partido claro nessa batalha".
A composição da programação
é sintomática: 30% do tempo de
transmissão da emissora é dedicado à política, 20% à cultura e religião, 10% às crianças, 10% ao esporte, 20% a filmes e 10% à publicidade.
Dos dois últimos telefilmes
transmitidos, um contava a história da luta síria contra os franceses
em 1940, e o outro, a revolta dos libaneses em 1920, também contra
os franceses.
Único momento de objetividade pura: um documentário sobre
animais. O programa de terça-feira era sobre a fauna do norte dos
Estados Unidos. Título: "América
Selvagem".
Tradução de Clara Allain
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