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Para plantadores, falta mercado
para cultivos alternativos à coca
DO ENVIADO ESPECIAL AO CHAPARE (BOLÍVIA)
Sentada numa beira de calçada
e cercada de abacaxis que ela mesma produz em seu lote de terra, a
agricultora Crescencia Beisaga,
42, oferece-os a quem passa. "É só
1 peso boliviano (cerca de R$ 0,30)
cada um", diz. O esforço é em vão.
Ao fim do dia, ela permanece cercada por abacaxis. "Ninguém
compra", reclama.
Não é para menos. Ao lado dela,
na mesma calçada, outra meia
dúzia de pessoas também oferece
seus abacaxis ou bananas, com o
mesmo resultado desanimador. A
situação é cada vez mais típica na
pequena cidade de Chimoré, na
região do Chapare, no centro da
Bolívia. Até bem pouco tempo
atrás, a região era o principal centro produtor de coca ilegal no
país.
Desde o fim de 1997, porém,
com o início do Plano Dignidade,
que prevê a erradicação total dos
plantios ilegais de coca até 2002, a
área total de cultivo de coca na região caiu de quase 32 mil hectares
para menos de 1.500.
"Eles nos prometeram que, se
trocássemos a coca por outros
produtos, íamos ter mercado.
Eles nos falaram de exportação,
mas agora não temos para quem
vender", afirma o agricultor Martín Zengano, 45, que passou a
plantar abacaxi e banana no terreno onde antes plantava coca.
Ele mostra uma ponta de arrependimento. "Quando eu plantava coca, pelo menos tinha dinheiro para alimentar minha família.
Se eu pudesse, voltaria a plantar
coca", afirma.
O ministro de Governo boliviano, Guillermo Fortún, principal
responsável pela execução do Plano Dignidade, admite que os programas de desenvolvimento alternativo à coca apresentam falhas,
mas afirma que a situação não é
tão grave como a que pintam os
cocaleiros.
"Estamos tratando de melhorar
os programas de desenvolvimento alternativo. Mas, se a situação
fosse tão desesperadora como alegam os agricultores, eles não estariam participando de bloqueios
de estrada como o de setembro,
que durou quase um mês, e que só
dificultam ainda mais o escoamento da produção", observa.
"Logicamente os produtos alternativos não dão o mesmo tipo
de ganho que a coca, mas essa é
uma questão de dignidade. Eles
não podem continuar plantando
um produto que é considerado
ilegal", afirma o ministro de Informações Governamentais,
Manfredo Kempff.
Projetos inviáveis
"Os projetos são parciais, não
atendem à maior parte dos agricultores e são inviáveis", rebate
Oscar Coca Antezana, diretor
executivo do Cides (Centro Integral de Desenvolvimento Econômico e Social), de Cochabamba, e
assessor do deputado Evo Morales, líder dos cultivadores de coca
da região do Chapare.
Ele cita, por exemplo, a construção de uma fábrica de processamento de farinha de mandioca
instalada na região, cuja demanda
não atingiria 0,5% da produção
total. "As pessoas acabam produzindo coca porque é o único produto que tem mercado", diz.
Para Victor Orduna, jornalista
especializado na questão, do semanário de opinião "Pulso", um
dos principais problemas desses
programas é a falta de escala.
"Eles acabam beneficiando só uns
10% das famílias da região, porque são muito incipientes", diz.
"Os camponeses também
acham ruim a presença de empresas de capital estrangeiro na região que compram os produtos
que eles cultivam para industrializar ou revender ao mercado externo. Eles não querem ser assalariados, não querem produzir para
outros venderem", observa.
Resultados positivos
Apesar das críticas, os resultados positivos do programa são
exaltados pelo representante na
Bolívia do UNDCP (Programa
das Nações Unidas para o Controle de Drogas) e pelos EUA, que
financiam, ao lado dos países da
União Européia, grande parte
desses programas.
"Sabemos que o estabelecimento de programas de desenvolvimento alternativo aos narcóticos
é difícil, por causa dos preços que
os cultivos ilícitos atingem, mas a
Bolívia já obteve um bom resultado", afirma Rand Beers, subsecretário de Estado dos EUA para
questões de drogas.
"A área de cultivos lícitos na região do Chapare já é 14 vezes a
área de cultivo de coca", observa
Beers. "O sucesso desses programas permite ao governo boliviano contra-argumentar sobre o suposto empobrecimento dos agricultores da região e tornar plausível o objetivo de erradicar totalmente os cultivos ilícitos."
(RW)
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