São Paulo, domingo, 22 de outubro de 2000

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Para plantadores, falta mercado para cultivos alternativos à coca

DO ENVIADO ESPECIAL AO CHAPARE (BOLÍVIA)

Sentada numa beira de calçada e cercada de abacaxis que ela mesma produz em seu lote de terra, a agricultora Crescencia Beisaga, 42, oferece-os a quem passa. "É só 1 peso boliviano (cerca de R$ 0,30) cada um", diz. O esforço é em vão. Ao fim do dia, ela permanece cercada por abacaxis. "Ninguém compra", reclama.
Não é para menos. Ao lado dela, na mesma calçada, outra meia dúzia de pessoas também oferece seus abacaxis ou bananas, com o mesmo resultado desanimador. A situação é cada vez mais típica na pequena cidade de Chimoré, na região do Chapare, no centro da Bolívia. Até bem pouco tempo atrás, a região era o principal centro produtor de coca ilegal no país.
Desde o fim de 1997, porém, com o início do Plano Dignidade, que prevê a erradicação total dos plantios ilegais de coca até 2002, a área total de cultivo de coca na região caiu de quase 32 mil hectares para menos de 1.500.
"Eles nos prometeram que, se trocássemos a coca por outros produtos, íamos ter mercado. Eles nos falaram de exportação, mas agora não temos para quem vender", afirma o agricultor Martín Zengano, 45, que passou a plantar abacaxi e banana no terreno onde antes plantava coca.
Ele mostra uma ponta de arrependimento. "Quando eu plantava coca, pelo menos tinha dinheiro para alimentar minha família. Se eu pudesse, voltaria a plantar coca", afirma.
O ministro de Governo boliviano, Guillermo Fortún, principal responsável pela execução do Plano Dignidade, admite que os programas de desenvolvimento alternativo à coca apresentam falhas, mas afirma que a situação não é tão grave como a que pintam os cocaleiros.
"Estamos tratando de melhorar os programas de desenvolvimento alternativo. Mas, se a situação fosse tão desesperadora como alegam os agricultores, eles não estariam participando de bloqueios de estrada como o de setembro, que durou quase um mês, e que só dificultam ainda mais o escoamento da produção", observa.
"Logicamente os produtos alternativos não dão o mesmo tipo de ganho que a coca, mas essa é uma questão de dignidade. Eles não podem continuar plantando um produto que é considerado ilegal", afirma o ministro de Informações Governamentais, Manfredo Kempff.

Projetos inviáveis
"Os projetos são parciais, não atendem à maior parte dos agricultores e são inviáveis", rebate Oscar Coca Antezana, diretor executivo do Cides (Centro Integral de Desenvolvimento Econômico e Social), de Cochabamba, e assessor do deputado Evo Morales, líder dos cultivadores de coca da região do Chapare.
Ele cita, por exemplo, a construção de uma fábrica de processamento de farinha de mandioca instalada na região, cuja demanda não atingiria 0,5% da produção total. "As pessoas acabam produzindo coca porque é o único produto que tem mercado", diz.
Para Victor Orduna, jornalista especializado na questão, do semanário de opinião "Pulso", um dos principais problemas desses programas é a falta de escala. "Eles acabam beneficiando só uns 10% das famílias da região, porque são muito incipientes", diz.
"Os camponeses também acham ruim a presença de empresas de capital estrangeiro na região que compram os produtos que eles cultivam para industrializar ou revender ao mercado externo. Eles não querem ser assalariados, não querem produzir para outros venderem", observa.

Resultados positivos
Apesar das críticas, os resultados positivos do programa são exaltados pelo representante na Bolívia do UNDCP (Programa das Nações Unidas para o Controle de Drogas) e pelos EUA, que financiam, ao lado dos países da União Européia, grande parte desses programas.
"Sabemos que o estabelecimento de programas de desenvolvimento alternativo aos narcóticos é difícil, por causa dos preços que os cultivos ilícitos atingem, mas a Bolívia já obteve um bom resultado", afirma Rand Beers, subsecretário de Estado dos EUA para questões de drogas.
"A área de cultivos lícitos na região do Chapare já é 14 vezes a área de cultivo de coca", observa Beers. "O sucesso desses programas permite ao governo boliviano contra-argumentar sobre o suposto empobrecimento dos agricultores da região e tornar plausível o objetivo de erradicar totalmente os cultivos ilícitos." (RW)



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