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GUERRA ÀS DROGAS
Por US$ 0,16 compra-se um punhado de folhas nas ruas de qualquer cidade; tradição vem dos incas
Bolívia mantém o mercado legal para a folha de coca
DO ENVIADO ESPECIAL À BOLÍVIA
Para os desavisados, pode parecer estranho que a Bolívia faça um
esforço tão grande para tentar erradicar suas plantações ilegais de
coca e permita, ao mesmo tempo,
a existência de um comércio totalmente legal da folha em todo o
país. Em qualquer cidade boliviana, compra-se na rua, pelo equivalente a cerca de US$ 0,16, um saquinho com um punhado de folhas, que podem ser mascadas ou
usadas para fazer chá.
Isso porque, ao contrário do
que acontece na maior parte dos
países, inclusive no Brasil, a folha
de coca não é ilícita na Bolívia, por
conta da tradição do seu uso pela
população indígena, que ainda
hoje é a maioria da população local. Satanizada pela cultura moderna como a matéria-prima da
cocaína, a folha de coca tem uma
imagem oposta na cultura indígena da região andina.
É considerada uma planta sagrada, presente dos deuses aos
antepassados incas centenas de
anos antes da chegada dos espanhóis à região.
O principal uso tradicional da
coca é o chamado "pijcheo" ou
"acullico" (o ato de mascar). A folha também é usada para infusões, cujo consumo é indicado,
entre outras coisas, para o "sorojche" (mal de altura), mal-estar
sentido por pessoas não acostumadas à altitude das cidades do
altiplano andino.
Para abastecer o mercado legal,
a lei boliviana permite o cultivo de
12 mil hectares de coca, somente
na região dos Yungas, no Departamento (Estado) de La Paz.
A folha de coca também é industrializada na Bolívia para a fabricação de chá e de outros produtos medicinais e alimentícios.
"Lamentavelmente, o governo
prefere apostar na erradicação a
impulsionar a industrialização da
coca para usos legais", afirma Edgar Barco, responsável médico da
empresa Coincoca, que produz
xaropes, pastas de dente, xampus,
cremes, vinhos, biscoitos e até
chicletes a partir da folha de coca.
"Todos sabemos que a coca não
é cocaína", afirma Barco. "Nas
áreas rurais, o "acullico" é o alimento básico da população, mas
ninguém lá é dependente nem
apresenta alterações de comportamento ou alterações genéticas
nos descendentes", diz.
Para ele, é um "desperdício" erradicar uma planta como a coca,
que "serve como alimento e traz
benefícios medicinais".
Tommy Hegedus, gerente da fabrica de chás Windsor, em La Paz,
também lamenta a falta de incentivo ao mercado legal da coca.
"Teríamos condições de fabricar
uma grande quantidade de chá de
coca se fosse possível vender ao
mercado externo", afirma.
Cada bolsinha de chá produzido pela Windsor tem, segundo
ele, 1 g de folhas de coca. Para fabricar 1 kg de cocaína seriam necessárias por volta de 1 milhão de
bolsinhas como essa.
A venda de produtos à base de
coca em outros países, porém, é
proibida. Proibição sem sentido,
na avaliação de Elisaldo Carlini,
diretor do Cebrid (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas) e ex-secretário
nacional de Vigilância Sanitária.
"Considero essa proibição um
tremendo exagero. A quantidade
de cocaína presente num chá ou
num xarope para tosse à base de
coca é próxima ao traço", afirma
Carlini. "Quem toma um chá ou
masca um chiclete de coca não terá nenhum efeito psicotrópico.
Esse tipo de uso é bem diferente
do abuso do uso de drogas", diz.
(ROGERIO WASSERMANN)
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