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Ex-cocaleiro se diz enganado, mas
não quer voltar à velha atividade
DO ENVIADO ESPECIAL AO CHAPARE
O técnico em agronomia Mario
Romero, 48, olha desolado para
sua plantação de laranjas, que
ocupa 2 hectares de seu terreno
nos arredores da cidade de Chimoré, na região do Chapare. "A
laranja está com um fungo, por isso não consigo vender nada há
mais de um ano", lamenta.
Até bem pouco tempo atrás, o
que havia plantado naqueles mesmos 2 hectares era coca. "A coca
não tem esse problema, é bem
mais resistente aos fungos", diz.
Ainda assim, afirma não ter se
arrependido. "Plantar coca não
tem futuro, por causa da erradicação", afirma. "Mas me sinto enganado, porque plantei laranjas
com a promessa de que teria mercado para vendê-las",diz.
Como boa parte de seus vizinhos, ele cortou voluntariamente
sua plantação de coca em troca de
um prêmio de US$ 4.000 pelos 2
hectares erradicados. No início do
programa de erradicação, o governo pagava US$ 2.500 por hectare de coca erradicado voluntariamente, valor que foi baixando
com o tempo, ao mesmo tempo
em que aumentava a chamada
"compensação comunitária".
Hoje, a cada hectare de coca erradicado, o governo se compromete a gastar os mesmos US$
2.500 em benfeitorias para a comunidade e para os programas de
cultivos alternativos.
Mas Romero reclama nunca ter
recebido nenhum centavo de ajuda para investir em sua plantação.
"O dinheiro dos programas de
cultivos alternativos só chega se a
comunidade receber um certificado de "Área Livre de Coca", mas
como nessa comunidade há umas
sete pessoas, entre 67, que mantêm pequenas plantações de coca,
os demais não podem receber
ajuda", reclama.
Apesar de tudo, Romero diz que
não pretende voltar a cultivar coca, produto que poderia lhe trazer
maiores ganhos financeiros. "Não
tenho muitas esperanças de que o
cultivo de coca volte a ser aceito,
porque ele é muito malvisto na
comunidade internacional. É
uma coisa sem futuro", afirma.
"A coca criou um falso desenvolvimento nesta região, criou falsas expectativas para os agricultores", afirma. "A citricultura (cultivo de frutas cítricas) é rentável,
desde que tenhamos apoio", diz.
Romero é um dos poucos habitantes do Chapare que ousa criticar o líder cocaleiro Evo Morales.
"Ele faz muita política e se esquece das coisas práticas", afirma.
"Queremos mercado"
As críticas de Romero aos programas de cultivos alternativos
são acompanhadas pelo agricultor Hugo Quispe, 34, que cultiva
chá em seu terreno no lugar onde
antes plantava coca. "Não precisamos que nos dêem dinheiro.
Queremos que nos dêem mercado para nossos produtos. Senão,
quem é que consegue sobreviver
vendendo banana?", questiona.
Para Quispe, há muita gente vivendo à custa dos programas de
cultivos alternativos. "Está cheio
de técnicos europeus e americanos que chegam aí e ficam recebendo montes de dinheiro, vivendo à nossa custa, enquanto nós
agricultores não recebemos nenhum apoio", reclama. "O dinheiro que a Bolívia recebe de ajuda da comunidade internacional
não chega às mãos de quem deveria chegar", afirma.
(RW)
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