São Paulo, domingo, 22 de outubro de 2000

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Ex-cocaleiro se diz enganado, mas não quer voltar à velha atividade

DO ENVIADO ESPECIAL AO CHAPARE

O técnico em agronomia Mario Romero, 48, olha desolado para sua plantação de laranjas, que ocupa 2 hectares de seu terreno nos arredores da cidade de Chimoré, na região do Chapare. "A laranja está com um fungo, por isso não consigo vender nada há mais de um ano", lamenta.
Até bem pouco tempo atrás, o que havia plantado naqueles mesmos 2 hectares era coca. "A coca não tem esse problema, é bem mais resistente aos fungos", diz.
Ainda assim, afirma não ter se arrependido. "Plantar coca não tem futuro, por causa da erradicação", afirma. "Mas me sinto enganado, porque plantei laranjas com a promessa de que teria mercado para vendê-las",diz.
Como boa parte de seus vizinhos, ele cortou voluntariamente sua plantação de coca em troca de um prêmio de US$ 4.000 pelos 2 hectares erradicados. No início do programa de erradicação, o governo pagava US$ 2.500 por hectare de coca erradicado voluntariamente, valor que foi baixando com o tempo, ao mesmo tempo em que aumentava a chamada "compensação comunitária".
Hoje, a cada hectare de coca erradicado, o governo se compromete a gastar os mesmos US$ 2.500 em benfeitorias para a comunidade e para os programas de cultivos alternativos.
Mas Romero reclama nunca ter recebido nenhum centavo de ajuda para investir em sua plantação. "O dinheiro dos programas de cultivos alternativos só chega se a comunidade receber um certificado de "Área Livre de Coca", mas como nessa comunidade há umas sete pessoas, entre 67, que mantêm pequenas plantações de coca, os demais não podem receber ajuda", reclama.
Apesar de tudo, Romero diz que não pretende voltar a cultivar coca, produto que poderia lhe trazer maiores ganhos financeiros. "Não tenho muitas esperanças de que o cultivo de coca volte a ser aceito, porque ele é muito malvisto na comunidade internacional. É uma coisa sem futuro", afirma.
"A coca criou um falso desenvolvimento nesta região, criou falsas expectativas para os agricultores", afirma. "A citricultura (cultivo de frutas cítricas) é rentável, desde que tenhamos apoio", diz.
Romero é um dos poucos habitantes do Chapare que ousa criticar o líder cocaleiro Evo Morales. "Ele faz muita política e se esquece das coisas práticas", afirma.

"Queremos mercado"
As críticas de Romero aos programas de cultivos alternativos são acompanhadas pelo agricultor Hugo Quispe, 34, que cultiva chá em seu terreno no lugar onde antes plantava coca. "Não precisamos que nos dêem dinheiro. Queremos que nos dêem mercado para nossos produtos. Senão, quem é que consegue sobreviver vendendo banana?", questiona.
Para Quispe, há muita gente vivendo à custa dos programas de cultivos alternativos. "Está cheio de técnicos europeus e americanos que chegam aí e ficam recebendo montes de dinheiro, vivendo à nossa custa, enquanto nós agricultores não recebemos nenhum apoio", reclama. "O dinheiro que a Bolívia recebe de ajuda da comunidade internacional não chega às mãos de quem deveria chegar", afirma. (RW)


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