São Paulo, domingo, 22 de outubro de 2000

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Relações comerciais com o Brasil podem substituir receita perdida

DO ENVIADO ESPECIAL À BOLÍVIA

O Brasil terá um papel de destaque na busca de uma solução, a médio prazo, para a crise econômica criada com o impacto do programa de erradicação da coca na Bolívia. Até 2004, com a utilização plena do gasoduto Brasil-Bolívia, as importações anuais de gás natural boliviano pelo Brasil deverão atingir US$ 500 milhões, o equivalente ao montante que se estima ter deixado de circular na economia formal do país com o combate à coca.
Proporcionalmente seria como se o Brasil (cujo Produto Interno Bruto é quase cem vezes o boliviano) tivesse um produto que, de uma hora para outra, pudesse gerar uma receita anual de US$ 50 bilhões.
As exportações de gás deverão colocar em pé de igualdade os dois lados da balança comercial boliviana com o Brasil. Hoje, a desigualdade entre exportações e importações é enorme.
No ano passado, por exemplo, o Brasil importou da Bolívia US$ 23,1 milhões e exportou US$ 443 milhões. Em 1998, a diferença foi ainda maior. O Brasil importou US$ 22,4 milhões e exportou US$ 675,8 milhões.
Com o crescimento das exportações bolivianas de gás natural, o Brasil se tornará o principal parceiro comercial do país, ultrapassando, em volume, todos os países da União Européia, que no ano passado foram o principal destino dos produtos bolivianos, totalizando US$ 282,7 milhões.
Além do gás, os projetos de construção de estradas com participação brasileira também devem ajudar o país a sair do atoleiro em que se encontra. Empreiteiras brasileiras participam também em diversos projetos de construção de estradas consideradas estratégicas para o país.
Hoje, um dos grandes problemas encontrados pelos produtores bolivianos é a falta de infra-estrutura para o escoamento da produção, pela precariedade das estradas e ferrovias. Isso encarece o transporte e reduz a competitividade dos produtos bolivianos no mercado externo.
Um dos principais projetos em estudo é a construção de uma estrada entre Santa Cruz e Corumbá (MS), que se tornaria a principal ligação entre os dois países. A ligação entre as duas cidades, numa distância de pouco mais de 400 km, é feita por estradas de terra, numa viagem que dura, muitas vezes, mais de um dia.
Outro meio de ligação entre os dois países é por trem, mas não existe uma conexão entre a linha que liga Bauru, no interior de São Paulo, a Corumbá e a linha que liga Santa Cruz a Puerto Quijarro, no lado boliviano da fronteira.
Para transportar algum produto por esse meio da Bolívia ao Brasil, é necessário descarregá-lo em Puerto Quijarro, transportá-lo pela estrada por alguns quilômetros e voltar a embarcá-lo em Corumbá, já em território brasileiro.
A estrada entre Santa Cruz e Corumbá, cujo custo é estimado em US$ 400 milhões, ainda não tem data prevista para o início das obras. Além dela, existem ainda outros projetos de construção de estradas com participação de empresas brasileiras, como as ligações entre a cidade boliviana de Desaguadero ao porto de Ilo (no oceano Pacífico), no Peru e entre o sul da Bolívia e o norte da Argentina.

Controle de fronteira
Mas nem só de elogios vive a relação entre os dois países. Para o ministro de Governo boliviano, Guillermo Fortún, o Brasil, como principal mercado para a pasta-base de coca e a cocaína bolivianas, deveria ajudar mais o país a controlar o narcotráfico.
"Essa é uma questão de dignidade para o povo brasileiro também", afirma. "A fronteira entre os dois países é grande, e deveria haver um esforço maior para controlá-la", diz. Segundo ele, outros países da região têm auxiliado mais a Bolívia. "Temos muito mais contatos nesse sentido com outros países vizinhos, como o Chile e a Argentina."
O embaixador brasileiro na Bolívia, Stélio Amarante, contesta as afirmações de Fortún. Segundo ele, existem diversos acordos bilaterais de cooperação para o controle da fronteira, sendo que o primeiro deles foi assinado em 1988.
Ele cita ainda uma visita à Bolívia feita em março pelo então secretário nacional Antidrogas, Walter Maierovitch, para discutir o tema da cooperação mútua no combate ao narcotráfico.
Segundo ele, o governo brasileiro não contribui financeiramente com o Plano Dignidade -como fazem os EUA, por exemplo- por acreditar que isso estabeleceria uma relação paternalista entre os dois países. (RW)


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