São Paulo, segunda-feira, 22 de outubro de 2007

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ELEIÇÕES NA ARGENTINA/ECONOMIA

Argentina prepara choque pós-eleição

Medidas foram enviadas ao Congresso por Kirchner, que deve iniciar "trabalho sujo" antes da eventual posse da mulher

Disposições incluem um aumento menor dos gastos estatais e congelamento de aposentadorias e salários do funcionalismo por um ano

FERNANDO CANZIAN
ENVIADO ESPECIAL À ARGENTINA

Transcorrida a eleição presidencial no próximo dia 28, a Argentina poderá passar por um choque econômico de intensidade moderada para conter a demanda e a inflação. Em alta desde o início do ano, os preços no país saíram totalmente do controle às vésperas da eleição.
As medidas já constam na proposta de Orçamento para 2008 enviada pelo presidente Néstor Kirchner ao Congresso. Incluem um aumento menor dos gastos estatais, mais superávit primário para pagar juros da dívida pública e congelamento das aposentadorias e salários do funcionalismo por pelo menos um ano.
Kirchner tem grandes chances de eleger, em primeiro turno, sua mulher, Cristina. Economistas acreditam que o "trabalho sujo" e impopular de esfriar a economia será iniciado já em novembro, antes da eventual posse de Cristina, em 10 de dezembro.
"Vivemos um momento crucial. Quanto mais demorarmos, mais custará baixar a inflação. Há um risco importante de as expectativas de preços futuras se desconectarem dos fundamentos macroeconômicos", afirma o economista Miguel Kiguel, que esteve à frente, entre 1996 e 99, da equipe do ex-ministro da Economia Roque Fernández.
Os índices oficiais de inflação na Argentina, medidos pelo Indec (o IBGE local), vêm sendo manipulados pelo governo desde janeiro. Para uma alta de 5,8% no ano apurada pelo Indec, outros institutos em várias províncias (Estados) registraram aumentos superiores a 16%. Em casos extremos, como em La Pampa e Chubut, os preços subiram 30%.
Em outubro, os preços deram um forte puxada, obrigando Kirchner a se reunir duas vezes, em menos de duas semanas, com empresários. Primeiro, para pedir um congelamento, depois, uma queda de 5% nos valores de 400 produtos. Nada disso ocorreu.
Neste ano eleitoral, Kirchner baixou para 2,5% do PIB (Produto Interno Bruto) a economia fiscal do governo para pagar juros. Para 2008, a proposta é voltar a elevá-la, para 3,15%. Mas o objetivo implícito seria atingir 4%.
O crescimento da economia projetado para o ano que vem é de apenas 4%, bem abaixo dos 8% previstos para 2007. Para a oposição, Kirchner vinha subestimando o crescimento nos últimos anos para, com a arrecadação superior à prevista, ter mais liberdade para gastar.
Desta vez, porém, há um consenso de que a economia deve esfriar em 2008. Se eleita, Cristina teria um ano de ajuste e outros três para colocar o país em ordem novamente e tentar fazer voltar o marido à Presidência em 2011. "O governo, que sempre defendeu uma política expansionista, de mais gastos e salários frouxos, foi muito influenciado pelos industriais argentinos. Mas está percebendo que a capacidade de produção passou do limite, trazendo a inflação", diz o economista Manuel Solanet.
O presidente da UIA (União Industrial Argentina), Juan Carlos Lascurain, afirma que a Argentina não deveria "se alarmar" com a inflação. "Não devemos tomar medidas equivocadas que nos levem a repetir os erros do passado", disse.
Para alguns economistas, com o consumo aquecido, a indústria vem praticando um sistemático aumento de margens de lucro ao mesmo tempo em que investe menos do que seria necessário para cobrir a demanda atual.
Miguel Kiguel calcula que os investimentos como proporção do PIB deveriam atingir 26% para o país poder crescer 6% ao ano sem inflação. Hoje, o PIB cresce 8%, com investimentos ao redor de 22% do PIB.
Em meados de outubro, uma breve onda de frio na primavera de Buenos Aires provocou mais uma vez o corte de energia para algumas indústrias. Elas já haviam sofrido racionamento durante o inverno, já que a demanda residencial e industrial combinada supera em muito a atual oferta de gás no país.

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